Não é raro ouvir dizer que tudo mudou em questão de moral; que cada um faz a sua moral, que não existe uma moral válida para todos, nada é mau, nada é bom; até mesmo o que se tinha como mau, agora pode ser considerado bom e o que se tinha como moralmente bom, muitas vezes, acaba acusado como mau. Como assim? Afinal, ainda existem princípios de conduta moral? O que devemos fazer? O que devemos evitar?
A discussão sobre os princípios morais e sobre o que deve orientar as nossas decisões e acções vem desde o momento em que o homem se descobriu um ser pensante e livre para fazer escolhas. E não cessará até que haja um ser humano neste mundo. Para nós, cristãos, há alguns princípios de conduta moral claros, que deveriam orientar as nossas decisões e acções. Tentarei expor alguns, na brevidade que requer este artigo.
Quando Jesus, no “sermão da montanha”, recomendou ao povo – “ouvistes o que foi dito…. eu, porém, vos digo”, ele fez a interpretação da lei de Deus a partir do seu sentido originário, livre de distorções (cf. Mt 5, 38-48). O que se diz “por aí” pode representar o esforço humano das culturas, filosofias e religiões para interpretar o que seria o sentido da lei moral. Mas Jesus dá a interpretação que é conforme à vontade de Deus, ao agir de Deus e à dignidade e santidade de Deus. Portanto, vale para nós o ensinamento de Jesus como critério para o discernimento e para o agir moral. O que “dizem por aí” através de tantas interpretações contraditórias da lei moral deve ser sempre avaliado à luz desse “eu, porém, vos digo”, do ensinamento de Jesus.
No mesmo trecho do “sermão da montanha”, Jesus vai mais longe e pede que os seus discípulos não se contentem com indicações morais cómodas, nem com a lei do menor esforço: “Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). A referência para o discernimento e o agir moral não é pequena nem fácil; a perfeição de Deus é única e nunca será alcançada plenamente pelo homem. Porém, a altíssima perfeição divina permanece para nós como referência segura para o certo e o errado, o bem e o mal, o justo e o injusto. Nunca será bom o que for contrário à perfeição de Deus, para a qual devemos tender sempre.
Esse critério não é diferente daquilo que Moisés, em nome de Deus, já havia recomendado ao povo, ao lhe comunicar os dez mandamentos: “Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou Santo” (Lv 19,2). A santidade de Deus diz respeito à sua dignidade suprema, sua misericórdia, justiça, amor e providência em relação ao homem e ao mundo. A santidade de Deus é a referência máxima para o discernimento e o agir moral da pessoa de fé; e será boa toda a decisão e cada ação que estiver em sintonia com a dignidade e a santidade de Deus; mas nunca será bom o que for contrário à santidade de Deus e, por isso, deve ser evitado.
Os dez mandamentos da lei de Deus são indicações do caminho da perfeição e da santidade para o homem e, na medida em que os coloca em prática, ele age bem e se santifica, pois está em sintonia com a vontade de Deus. Mas o contrário dos mandamentos, com certeza, não é caminho bom e, claramente, deve ser evitado, não podendo ser tomado como critério para a decisão e a acção moral.
São Paulo oferece-nos um outro critério moral muito importante quando ele escreve à comunidade de Corinto, onde havia problemas de imoralidade: “Acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?” (1Cor 3,16). O cristão, pelo Baptismo, tornou-se “morada de Deus” e “habitação do Espírito Santo”, e isso confere-lhe uma nova e altíssima dignidade, que ele sempre deverá ter em conta nas suas decisões e acções morais. Essas devem estar em conformidade com a sua própria dignidade e com a dignidade de Deus. Por isso, ele sempre deverá perguntar-se: “será que minha acção combina com o respeito devido a Deus e a mim próprio?” Esse é um critério claro e seguro para o discernimento e a acção moral.
Concluindo a sua reflexão, Paulo confronta cada um com a própria liberdade e com a responsabilidade pelas escolhas feitas: “Tudo é vosso, mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus” (1Cor 3, 22-23). O cristão pertence a Cristo e recebeu o seu Espírito; por isso, precisa levar em conta a sua relação com Cristo e os seus ensinamentos.
Portanto, para as pessoas de fé, existem critérios morais firmes e conhecidos, que precisam ser levados em conta no discernimento e na acção moral. E o cristão já não poderá mais orientar-se simplesmente “pelo que se diz por aí”: nos jornais, revistas, novelas, filmes, mídias sociais, discussões filosóficas ou ideológicas… Sua referência: deverá lembrar sempre o ensinamento de Jesus: “Eu, porém, vos digo”.
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo (SP)