Santa Joana d’Arc, por John Everett Millais.
Ronald Knox disse certa vez que “quem viaja a bordo da barca de São Pedro seria melhor que não olhasse muito de perto para o interior da sala de máquinas”. A menos que tenha vivido dentro de uma caverna pelos últimos cinco, dez ou cinquenta anos, saiba que a barca tem atravessado alguns mares turbulentos. Alguns diriam que estamos com Colombo a navegar rumo a um novo mundo; outros, que o nome escrito na lateral da barca é Titanic. De qualquer modo, vale a pena ressaltar que, seja lá qual for a maneira de ler o sinais dos tempos, em certo sentido, num sentido bem verdadeiro, nada disso importa.
Não digo que não devamos rezar pela Igreja ou pelo Papa e os bispos, nem que não devamos ficar preocupados quando padres ou prelados, e até mesmo aqueles do mais alto escalão, dizem coisas que nos fazem ficar com a pulga atrás da orelha, para dizer o mínimo. Não digo que não devamos confrontar o erro, chamar as coisas pelo nome, ou que devamos fechar os olhos ao escândalo. O que quero dizer é que, em certo sentido, num sentido bem verdadeiro, não nos devemos preocupar com nada disso, porque a única coisa com a qual devemos realmente nos preocupar não é, de forma nenhuma, afretada por tais problemas. E essa única coisa é a nossa própria alma.
Ao longo do último mês de Novembro, a Igreja levou-nos a reflectir sobre os Novíssimos — literalmente, as “últimas coisas” —, indicando que a nossa preocupação última, deve ser a nossa santidade pessoal. É fácil, e talvez desculpável, ficar perturbado com o que algum padre, bispo, político “católico” ou escola “católica” disse, fez ou deixou de fazer. Eu sou o primeiro a admitir que posso, sim, ficar mordido com essas coisas. E, como disse, há alguma justiça nisso. Nós amamos a Igreja e, devemos reconhecer, é mesmo preocupante vê-la num estado de “diluição”. A Igreja deveria ser a nossa “rocha”, mas a sensação actual, para muitos de nós, é a de que ela se assemelha mais à areia movediça. Mas, é aí que está o ponto, o que devemos fazer diante de tudo isso?
Quando morrermos — e esta é a única coisa com a qual devemos nos preocupar —, Nosso Senhor não nos irá julgar a partir do que um padre, um bispo, um Papa ou seja lá quem for disse, fez ou deixou de fazer. Ao contrário, Ele nos julgará por um critério bem simples: Tu fizeste aquilo que eu te pedi para fazeres? E o caso será encerrado.
No romance Emma, de Jane Austen, a personagem que dá nome ao livro e o seu amigo, sr. Knightley, conversam sobre outra personagem, Frank Churchill, que aparentemente fracassou nos seus deveres como filho. Enquanto Emma procura todas as razões possíveis para desculpar o jovem, ao sr. Knightley não acode nenhuma. Ele finalmente diz: “Há uma coisa, Emma, que um homem pode sempre fazer se ele quiser, e essa coisa é o dever, não por interesse e vaidade, mas por força e resolução”. Essa também deveria ser a nossa atitude.
Vejamos por outro ângulo. Houve alguma vez na história uma época em que a Igreja, do Papa ao pároco, e deste ao paroquiano no banco da igreja, tenha sido perfeita? Não. São Paulo pareceu ter gasto a maior parte do seu tempo resolvendo disputas e corrigindo heresias. Os primeiros cinco séculos da história da Igreja (pelo menos) foram gastos a formar-se um credo e, mesmo então, pelo menos uma vez, a maioria (formada por arianos) não o professou correctamente. A Idade Média viu o Papa mudar-se para Avignon e lá ficar por quase 70 anos, e ainda depois, por mais 25 anos, tivemos três homens reivindicando o papado. E nem se fale da Renascença. O século XVII teve os jansenistas; o XVIII, os iluministas e a Revolução Francesa. No século XIX, o Concílio Vaticano I foi suspenso porque as tropas italianas invadiram a Cidade Eterna.
Muitos ainda falam da “época de ouro” da Igreja antes do Vaticano II. Embora possa existir certa verdade nisso, a questão que deve ser levantada é: onde e quando as sementes do dilúvio do “espírito do Vaticano II” foram lançadas senão naquela “época de ouro”? A Igreja — nos seus membros — nunca foi perfeita.
No entanto, também sempre houve santos. Sempre existiram aqueles poucos indivíduos que, como temos dito, não se transtornavam por causa do que alguém fazia ou deixava de fazer; em vez disso, fizeram eles mesmos o que deviam fazer, por mais humilde ou simples que fosse o trabalho. Eles perseguiam sua própria santidade. E faziam-no com os mesmos meios que você e eu temos à nossa disposição — oração, sacramentos, a graça de Deus e a própria vontade. Nenhum deles dependeu da santidade pessoal de outras pessoas na Igreja. Em todos estes tempos difíceis, houve grandes santos.
Eu disse acima que não deveríamos falar da Renascença, mas vamos fazer isso agora. O papado sangrava por conta de escândalos pessoais e da heresia de Martinho Lutero. Na Inglaterra, todos os bispos, excepto um, submeteram-se a Henrique VIII. Mesmo assim, Thomas More tornou-se um santo, indo calmamente para a guilhotina e fazendo piadas, não porque o seu pároco fizesse óptimos sermões ou porque houvesse um óptimo projecto pastoral na sua diocese, não por causa da pureza ou clareza doutrinária do clero, mas porque ele mesmo levou uma vida de santidade. (E fê-lo ao mesmo tempo em que sustentava uma família, trabalhava como advogado e estava envolvido em todos os tipos de assuntos políticos.) Ele não murmurou, não reclamou nem apresentou desculpas, mas olhou para sua própria alma.
Santo Thomas More pintado por Peter Paul Rubens
“Estas crises mundiais são crises de santos”, dizia São Josemaria Escrivá, que derramou lágrimas quando a Igreja parecia ruir durante as décadas de 1960 e 1970. Isso quer dizer que essas crises não são, em primeiro lugar, crises de Papas, bispos, padres, ou de universitários, teólogos e políticos, mas, sim, suas e minhas, que deveríamos ser santos no lugar em que Deus nos colocou. Hoje nós temos um fardo ainda maior nessa matéria, porque com a quantidade de pregações e conselhos espirituais disponíveis em livros e outras mídias, nós realmente não temos nenhuma desculpa para não conhecer o nosso dever e o modo de cumpri-lo. Quanto esforço temos empregado nisso?
Ninguém pode impedir que sejamos santos excepto nós mesmos! Por isso, por todos os meios possíveis, corrijamos e exortemos os outros, ajudemos financeiramente aqueles que são dignos e boicotemos aqueles que não o são, mas, em primeiro lugar e acima de tudo, rezemos, frequentemos os sacramentos, imploremos pela graça de Deus e façamos, enfim, a única coisa que podemos fazer: ser santos. É tudo que Deus nos pede.
Robert B. Greving,
in Crisis Magazine