top of page
Buscar

COMEÇA HOJE A NOVENA DE NATAL


1º Dia – 16 de Dezembro.

“Eu te estabeleci para luz das gentes, a fim de seres a salvação que eu envio até a última extremidade da terra.” (Is 49, 6)

Considera o Pai celeste dizendo estas palavras a Jesus Menino no momento de Sua conceição: “Meu Filho, Eu Te estabeleci para luz das gentes e a vida das nações, a fim de que Lhes procureis a salvação, que desejo tanto como se fosse a Minha própria”. É pois necessário que Vos dediqueis inteiramente ao bem do género humano: “Dado sem reserva ao homem, deveis dedicar-Vos inteiramente em benefício dele” [1].

É necessário que sofrais uma pobreza extrema desde o Vosso nascimento, a fim de que o homem se torne rico (cf. 2Cor 8, 9). É necessário que sejais vendido como um escravo para pagardes a liberdade do homem, e que, como escravo, sejais flagelado e crucificado a fim de satisfazer à Minha justiça pelas penas devidas aos homens. É necessário que deis o Vosso sangue e Vossa vida para livrar o homem da morte eterna. Numa palavra, sabei que não sois mais Vosso, mas do homem, segundo a palavra de Isaías: “Nasceu-nos um Menino, foi-nos dado um filho” (Is 9, 6).

Assim, Meu caro Filho, o homem se sentirá constrangido a amar-Me e a dar-se a Mim, ao ver que Vos dou todo a ele, Vós Meu único Filho, e que não Me resta mais nada a dar-lhe. Eis até onde chegou o amor de Deus aos homens! Ó amor infinito, digno somente de um Deus infinito! Jesus mesmo disse: “Deus amou de tal maneira o mundo que deu por ele o seu Unigénito Filho” (Jo 3, 16). A essa proposta, Jesus Menino não se entristece, antes se alegra, aceita-a com amor e exulta: dá saltos como gigante para percorrer o Seu caminho (cf. Sl 18, 6). Desde o primeiro instante de Sua Encarnação, Ele se dá todo ao homem e abraça com toda alegria todas as dores e humilhações que deve sofrer no mundo por amor aos homens. Essas foram, diz S. Bernardo, as montanhas e as colinas escarpadas que Jesus Cristo teve de escalar para salvar os homens [2]: “Ei-l'O, aí vem saltando sobres os montes, atravessando as colinas” (Ct 2, 8). Notemos bem: enviando-nos o Seu Filho como Redentor e Mediador de Paz entre Ele e os homens, Deus Pai obrigou-Se de certo modo a perdoar-nos e a amar-nos; entre o Pai e o Filho interveio um pacto em virtude do qual o Pai devia receber-nos na Sua graça, contanto que o Filho satisfaça por nós à divina justiça. De seu lado, o Verbo, digo, também se obrigou a amar-nos, não por causa do nosso mérito, mas para cumprir a misericordiosa Vontade de Seu Pai.

Afetos e Súplicas

Meu caro Jesus, se é verdade, como a lei o declara, que se adquire o domínio pela doação, vós me pertenceis porque o vosso Pai vos deu a mim: é por mim que nascestes, a mim fostes dado: “Nasceu-nos um Menino, foi-nos dado um Filho”. Posso pois dizer: “Meu Jesus e meu tudo”. Já que sois meu, todos os bens me pertencem.

O vosso apóstolo me assegura: “Como não nos dará também com ele todas as coisas?” (Rm 8, 32). Por isso, meu é o vosso sangue, meus os vossos méritos, minha a vossa graça, meu o vosso paraíso. E se sois meu, quem poderá jamais arrancar-vos de mim?

“Ninguém poderá tirar-me o meu Deus”, assim dizia com júbilo S. Antão Abade [3]; assim também quero dizer no futuro. É verdade que vos posso perder ainda e afastar-me de vós pelo pecado; mas, ó meu Jesus, se no passado vos abandonei e perdi, arrependo-me agora de toda a minha alma, e estou resolvido a perder tudo, a própria vida, antes que tornar a perder-vos, ó Bem infinito e único amor de minha alma. Agradeço-vos, Pai eterno, por me terdes dado vosso Filho; e já que me destes a Ele todo, eu, miserável, dou-me todo a vós.

Pelo amor desse Filho adorável, aceitai-me e prendei-me com cadeias de amor a meu Redentor, mas prendei-me tão estreitamente que possa dizer com o apóstolo: “Quem me separará do amor de Cristo?” (Rm 8, 35). Quem me poderá ainda separar de meu Jesus? E vós, meu Salvador, se sois todo meu, sabei que sou todo vosso. Disponde de mim, e de tudo o que me pertence como vos aprouver. E como poderia eu recusar alguma coisa a um Deus que não me recusou o seu sangue e a sua vida?

Maria, minha Mãe, guardai-me sob vossa proteção. Já não quero ser meu, quero ser todo do meu Senhor. A vós compete tornar-me fiel, confio em vós.

...

Referências
  1. “Totus siquidem mihi datus, et totus in meos usus expensus est.” — São Bernardo, In Circumcisione Domini, Sermo 3, n. 4. ML 183-138.

  2. Cf. São Bernardo, In Cantica, Sermones 53 et 54, per totum: ML 183-1033 ad 1044.

  3. “Post orationem, clara voce dicebat (daemonibus): Ecce hic sum ego Antonius, non fugio vestra certamina, etiamsi maiora faciatis, nullus me separabit a caritate Christi.” — Santo Atanásio, Vita B. Antonii Abbatis, cap. 8. ML 73-131. - Cf. cap. 20, col. 144.​

 

2º Dia – 17 de Dezembro.

“Não quisestes hóstia nem oblação; mas me formastes um corpo.” (Hb 10, 5)

Considera a grande amargura de que o Coração de Jesus devia sentir-se penetrado e oprimido no seio de Maria, no momento em que o Seu Pai Lhe colocou ante os olhos a longa série de desprezos, dores e agonias, que teria de sofrer durante a Sua vida para livrar os homens dos seus males.

Eis como o profeta faz falar a Jesus (cf. Is 50, 4): “Desde a manhã o Senhor abriu-me o ouvido”. Desde o primeiro instante da minha conceição, meu Pai fez-me conhecer a sua vontade para que Eu levasse uma vida de penas, para depois ser imolado na cruz. “E Eu não contradigo; entreguei o Meu corpo aos que me batiam”. Tudo aceitei para a vossa salvação, almas queridas, desde então abandonei o Meu corpo aos flagelos, aos cravos e à morte.

Tudo quanto Jesus Cristo teria de sofrer durante a Sua vida e na Sua Paixão pairou ante o Seu Espírito desde o seio de Sua Mãe, e Ele o aceitou com amor; mas para resignar-Se a esse sacrifício e para vencer a repugnância natural dos sentidos, ó Deus! que angústia e que opressão não sofreu o Coração inocente de Jesus!

Ele sabia de antemão o que devia sofrer encerrado nove meses na escura prisão do seio de Maria; sabia a que humilhação e penas devia sujeitar-Se nascendo numa fria gruta que servia de abrigo aos animais, e passando depois trinta anos na oficina de um pobre artífice; sabia que os homens O tratariam como a um ignorante, um escravo, um sedutor, um criminoso digno de morte e da morte mais infame e mais dolorosa que se possa infligir aos celerados.

Nosso amantíssimo Redentor aceitou tudo isso a cada instante; e assim, a cada instante sofreu em conjunto todos os tormentos e todos os vexames que o aguardavam até à Sua morte. O próprio conhecimento da Sua dignidade divina lhe fazia sofrer mais profundamente as injúrias que deveria receber dos homens, e nunca as perdia de vista.

“A minha infâmia está todo o dia diante de mim” (Sl 43, 16), dissera pelo profeta; e por isso entendia sobretudo aquela confusão que devia provar um dia vendo-se despojado das Suas vestes, flagelado, suspenso por três cravos de ferro, e assim terminar a vida no meio dos desprezos e maldições desses mesmos homens pelos quais morria: “Foi obediente até à morte, até à morte de cruz” (Fl 2, 8). E por quê? Para nos salvar, a nós, pecadores miseráveis e ingratos.

Afectos e Súplicas

Ah! meu amado Redentor, quanto vos custou desde a Vossa entrada neste mundo o livrar-me do abismo em que me lançaram os meus pecados! Para me libertardes da escravidão do demónio, ao qual me vendi voluntariamente entregando-me ao pecado, quisestes ser tratado como o pior dos escravos; e eu, sabendo disso, contristei muitas vezes o vosso amabilíssimo Coração, que tanto me amou!

Mas já que Vós, que sois inocente e que sois o meu Deus, aceitastes por meu amor uma vida e uma morte tão penosas, aceito por Vosso amor, ó meu Jesus, todas as penas que me vierem de Vossas mãos. Eu as aceito e abraço porque me vêm dessas mãos trespassadas um dia para me livrarem do inferno que tantas vezes mereci. O amor que me testemunhas, ó meu Redentor, prontificando-Vos a sofrer assim por mim, obriga-me deveras a resignar-me por Vós a todos os sofrimentos, a todos os desprezos.

Senhor, pelos Vossos méritos, dai-me o Vosso santo amor; o Vosso amor tornar-me-á doces e amáveis todas as dores e todas as ignomínias.

Amo-Vos sobre todas as coisas, amo-Vos de todo o meu coração, amo-Vos mais do que a mim mesmo. Mas no decorrer de toda a Vossa vida destes-me tantas e tão grandes provas de Vosso amor, e eu ingrato, após tantos anos de existência, que prova de amor Vos tenho dado até agora? Fazei, pois, ó meu Deus, que nos anos que me restam de vida eu Vos dê alguma prova do meu amor.

Não ousaria, no dia do juízo, aparecer diante de Vós, pobre como sou actualmente e sem nada ter feito por amor de Vós. Mas que posso fazer sem a Vossa graça? Só posso pedir que me ajudeis, e mesmo essa oração é um efeito da Vossa graça. Meu Jesus, socorrei-me pelos méritos das Vossas dores e do sangue que derramastes por mim.

Santíssima Virgem Maria, recomendai-me a Vosso divino Filho, conjuro-Vos pelo amor que lhe tendes: considerai que sou uma das ovelhas pelas quais Vosso Filho deu a vida.

 

3º Dia – 18 de Dezembro.

“Nasceu-nos um Menino e foi-nos dado um Filho.” (Is 9, 6)

Considera que após tantos séculos, após tantos suspiros e preces, o divino Messias, que os patriarcas e os profetas não tiveram a felicidade de ver, o Desejado das nações, o Desejo das colinas eternas, numa palavra, Nosso Salvador, veio enfim, nasceu, e deu-Se todo a nós: “Nasceu-nos um Menino, foi-nos dado um Filho”.

O Filho de Deus fez-Se pequeno para nos fazer grandes; deu-Se a nós, a fim de que nos demos a Ele; veio mostrar-nos o Seu amor a fim de que correspondamos com o nosso. Recebamo-l'O pois com afecto, amemo-l'O e recorramos a Ele em todas as nossas necessidades.

As crianças, diz S. Bernardo, dão facilmente o que se lhes pede [1]. Jesus veio sob a forma de uma criança para manifestar a Sua disposição de comunicar-nos os seus bens.

Ora, nele estão todos os tesouros (cf. Cl 2, 3). O Seu Pai celeste colocou tudo em Suas mãos (cf. Jo 3, 35).

Desejamos luzes? Ele veio precisamente para iluminar-nos.

Desejamos mais força para resistir aos inimigos? Ele veio para fortalecer-nos.

Desejamos o perdão das nossas faltas e a salvação? Ele veio para perdoar-nos e salvar-nos.

Enfim, desejamos o soberano dom do amor divino? Ele veio justamente para inflamar os nossos corações, e para isso é que Ele se fez Menino: se Ele quis mostrar-Se aos nossos olhos num estado tão pobre e tão humilde, e por isso mesmo mais amável, foi para tirar-nos todo o temor e ganhar o nosso amor [2].

Além disso, Jesus quis nascer como criança para que o amemos não somente sobre todas as coisas, mas também com amor terno. Todas as crianças sabem conquistar a afeição terna de quem as vê; ora, quem não amará com toda a ternura a um Deus, vendo-O feito Menino, necessitado de leite, tremendo de frio, pobre, desprezado e abandonado, que chora sobre a palha numa manjedoura? Por isso S. Francisco inflamado de amor exclamava: “Amemos o Menino de Belém, amemos o Menino de Belém!” [3].

Vinde, ó almas, vinde e amai o meu Deus feito Menino, feito pobre, que é tão amável e que desceu do céu para dar-Se todo a vós.

Afectos e Súplicas

Ó meu amável Jesus, por mim tão desprezado, descestes do céu para resgatar-me do inferno e dar-Vos todo a mim, e como pude desprezar-Vos tantas vezes e voltar-Vos as costas? Ó Deus, os homens são tão gratos às criaturas; se alguém lhes faz algum benefício, se de longe lhes fazem uma visita, se lhes mostram sinal de afecto, não podem esquecer-se disso e sentem-se obrigados a pagar-lhes.

E são tão ingratos para convosco, que sois o seu Deus cheio de amabilidade, e que por amor deles não recusastes dar o sangue e a vida. Mas ah! Eu tenho sido pior do que todos, pois que, apesar de me terdes amado, mais eu Vos tenho sido ingrato. Ah! se tivésseis concedido a um herege, a um idólatra, as graças com que me favoreceste, ele ter-se-ia santificado; e eu, eu Vos ofendi! Senhor, dignai-Vos esquecer as injúrias que Vos fiz.

Vós dissestes que, quando um pecador se arrepende, esqueceis todos os ultrajes que dele recebestes (cf. Ez 18, 22). Se no passado eu não Vos amei, no futuro não quero fazer outra coisa senão amar-Vos.

Vós Vos destes todo a mim; eu Vos consagro toda a minha vontade, e assim Vos amo, Vos amo, Vos amo, e quero repetir sem cessar: amo-Vos, amo-Vos; e quero dizer sempre a mesma coisa enquanto viver, e quero exalar o último suspiro tendo nos lábios a doce palavra: Meu Deus, eu Vos amo! — para começar depois, ao entrar na outra vida, a amar-Vos sem interrupção, com um amor sem fim, com amor eterno.

Aguardando essa ventura, ó meu Deus, meu único Bem, meu único Amor, estou resolvido a preferir a Vossa Vontade a todas as minhas satisfações. Venha o mundo inteiro, eu o repilo; não quero cessar de amar Aquele que tanto me amou; já não quero desgostar Aquele que merece amor infinito.

Meu Jesus, secundai o meu desejo e a minha resolução com a vossa graça. Maria, minha Rainha, reconheço que por vossa intercessão tenho recebido todas as graças que Deus me tem concedido; não cesseis de interceder por mim; obtende-me a perseverança, vós que sois a Mãe da perseverança.

...

Referências
  1. “Denique parvulus est: leviter placari potest. Quis enim nesciat quia puer facile donat?” — São Bernardo, In Epiphania Domini, Sermo 1, n. 4. ML 183-144.

  2. “Qualiter venire debuit, qui voluit apportare gratiam, timorem pellere, quaerere caritatem.” — São Pedro Crisólogo, Sermo 158, De Epiphania et Magis. ML 52-617.

  3. Cf. São Boaventura, Legenda Sancti Francisci, c. 10, n. 7. Opera, VIII, ad Claras Aquas, 1898, p. 535; Tomás de Celano, S. Francisci Vita prima, l. 1, c. 10, n. 84-86: inter Acta Sanctorum Bollandiana, die 4 octobris.

 

4º Dia – 19 de Dezembro.

“A minha dor está sempre ante os meus olhos.” (Sl 37, 18)

Considera que, desde o primeiro instante em que foi criada a alma de Jesus Cristo e unida ao corpo no seio de Maria, o Eterno Pai intimou a Seu Filho a ordem de sacrificar

a Sua vida pela redenção do mundo, e que ao mesmo tempo lhe pôs ante os olhos o espectáculo aflitivo de todas as penas que devia sofrer até à morte para salvar os homens. Mostrou-Lhe então os sofrimentos, as humilhações, a pobreza que teria de suportar durante toda a sua vida em Belém, no Egipto, em Nazaré, e depois todas as dores e todas as ignomínias de sua paixão, os flagelos, os espinhos, os cravos, a cruz, e os enfados, as tristezas, as agonias, os abandonos, em que terminaria Sua vida sobre o Calvário.

Quando Abraão conduziu o seu filho à morte, não quis afligi-lo antes, nem mesmo no pouco tempo necessário para chegar à montanha, e guardou em segredo o seu intento; mas o Pai celeste quis que Seu Filho encarnado, vítima destinada a satisfazer à sua justiça por todos os pecados, sofresse antecipadamente todas as penas a que devia submeter-se durante a Sua vida e na Sua morte.

Assim essa cruel tristeza que Jesus provou no jardim das Oliveiras, e que bastava como ele mesmo declarou para Lhe tirar a vida (cf. Mt 26, 38; Mc 14, 34), Ele a suportou continuamente desde o primeiro momento de Sua existência no seio de Maria; e desde então Ele sentiu e sofreu vivamente e no seu conjunto o peso de todas as dores e de todos os opróbrios que o aguardavam.

Toda a vida e todos os anos de nosso Divino Redentor foram pois uma vida e anos de dores e lágrimas: “A minha vida vai-se consumindo com a dor, e os meus anos com os gemidos” (Sl 30, 11). O Seu adorável Coração não ficou isento de penas nem um instante: velando e dormindo, trabalhando e descansando, orando e conversando, tinha sempre diante dos olhos essa cruel representação, que mais atormentava a Sua alma do que todos os tormentos dos mártires os fizeram sofrer.

Os mártires sofreram, mas ajudados pela graça suportaram os seus tormentos com a consolação e a alegria que o fervor proporciona; Jesus Cristo sofreu, mas sempre com um Coração cheio de tédio e tristeza, e tudo aceitou por amor de nós.

Afectos e Súplicas

Ó doce, ó amável, ó amante Coração de Jesus, fostes desde a infância repleto de amarguras e agonizastes no seio de Maria, sem nenhum alívio e sem que ninguém visse a vossa pena e vos consolasse com sua compaixão! Sofrestes tudo isso, ó meu Jesus, a fim de me livrar da agonia eterna que me aguardava no inferno em punição dos meus pecados.

Sofrestes um duro abandono, a privação de todo socorro a fim de salvar a mim que tive a audácia de abandonar a Deus e de lhe voltar as costas, para contentar as minhas más inclinações. Agradeço-Vos, ó Coração aflito e amoroso do meu Senhor! Agradeço-Vos e compadeço-me das vossas dores, mormente ao ver a insensibilidade dos homens diante de tudo o que sofreis por seu amor.

Ó amor de Jesus! Ó ingratidão dos homens! Ó homens! Olhai o inocente Cordeiro agonizando por vós, a fim de satisfazer à justiça divina por vossas ofensas; vede-O orando e intercedendo por vós junto de seu Pai Eterno; vede-O e amai-O. — Ah! meu Redentor, quão poucos são os que pensam em Vossas dores e em Vosso amor! Ah! quão poucos são os que Vos amam!

Infeliz de mim! Tive a desgraça de viver muito tempo sem pensar em Vós! Sofrestes tanto para ser amado por mim, e eu não Vos tenho amado! Perdoai-me, meu Jesus, perdoai-me; quero corrigir-me e quero amar-Vos de hoje em diante.

Quão infeliz seria, Senhor, se resistisse ainda à Vossa graça e assim me condenasse!

Todas as misericórdias que tendes usado para comigo e particularmente esse doce convite que neste momento me fazeis para Vos amar, seriam o meu maior suplício no inferno. Meu amado Jesus, tende piedade; não permitais que eu responda ainda ao Vosso amor com ingratidão; esclarecei-me e dai-me a força de vencer tudo para cumprir a Vossa Santa Vontade. Atendei-me, Vo-lo suplico pelos méritos da Vossa Paixão, na qual ponho toda a minha confiança.

Ó Maria, minha querida Mãe, socorrei-me: Vós é que me tendes obtido todas as graças que tenho alcançado de Deus; eu Vos agradeço; mas se me não continuardes a proteger, continuarei a ser infiel como no passado.

 

5º Dia – 20 de Dezembro.

“Foi oferecido porque Ele mesmo quis.” (Is 53, 7)

Desde o primeiro instante que o Verbo divino se viu feito homem e criança no seio de Maria, ofereceu-Se sem reserva aos sofrimentos e à morte, para resgatar o mundo: “Foi oferecido porque Ele mesmo quis”. Sabia que todos os sacrifícios de bodes e touros, oferecidos a Deus no passado, não podiam satisfazer pelos pecados dos homens, que só uma pessoa divina podia pagar o preço de sua redenção. Eis por que, escreve S. Paulo, “desde a Sua entrada no mundo Ele diz: Não quisestes hóstia nem oblação, mas formaste-Me um corpo... Então Eu disse: Eis que venho” (Hb 10, 5-7).

Meu Pai! todas as vítimas que Vos foram oferecidas até agora não foram suficientes e não podiam sê-lo para desarmar a Vossa justiça; destes-Me este corpo passível a fim de que pela efusão do Meu sangue eu Vos aplaque e salve os homens. Eis-Me pronto: “eis que venho”; aceito tudo e me submeto em tudo à Vossa Santa Vontade.

É certo que a parte inferior sentia repugnância; recusava-se naturalmente a viver e morrer no meio de tantos sofrimentos e opróbrios; mas a vitória coube à parte racional, que estava inteiramente submissa à vontade de Deus, e Jesus aceitou tudo, começando desde então a sofrer todas as angústias e dores que devia suportar no decorrer de sua vida. Eis o que fez por nós o nosso divino Redentor desde o primeiro momento de Sua entrada no mundo.

Mas nós, grande Deus, como nos temos portado para com Jesus, depois que, chegados ao uso da razão, começamos a conhecer pelas luzes da fé os santos mistérios da redenção? Quais foram os nossos pensamentos, as nossas ocupações? Que bens temos nós amado? Os prazeres, os divertimentos, o orgulho, a vingança, a sensualidade, eis os bens que prenderam os afectos do nosso coração. Mas, se temos fé, havemos enfim de mudar de conduta e amar outra coisa.

Amemos um Deus, que tanto sofreu por nós. Ponhamos ante os nossos olhos as penas que o coração de Jesus suportou por nós desde a infância, e não poderemos amar outra coisa fora desse coração que nos amou tanto.

Afectos e Súplicas

Senhor, quereis saber como me tenho comportado para conVosco durante a minha vida?

Desde que comecei a ter o uso da razão, comecei a desprezar a Vossa graça e o Vosso amor. Ah! Vós o sabeis melhor do que eu; mas Vós tendes-me suportado, porque ainda me quereis bem. Eu Vos fugia e Vós não cessáveis de me perseguir chamando-me. O mesmo amor que Vos fez descer do céu à procura das ovelhas perdidas, Vos fez suportar as minhas infidelidades e não Vos permitiu abandonar-me.

Agora, meu Jesus, Vós buscais-me e eu também Vos busco; sinto que a Vossa graça me assiste: ela me assiste inspirando-me uma viva dor de meus pecados, que detesto sobre todas as coisas; ela me assiste fazendo nascer em mim um grande desejo de Vos amar e de Vos agradar. Sim, Senhor, quero amar-Vos e agradar-Vos quanto posso.

Temo, é verdade, devido à minha fragilidade e fraqueza que contraí por meus pecados; mas o meu temor cede à confiança que me vem da Vossa graça e que, apoiando-se em Vossos méritos, me enche de coragem e me faz dizer com o Apóstolo: “Tudo posso naquele que me conforta” (Fl 4, 13). Se sou fraco, Vós me dareis força contra os meus inimigos; se sou enfermo, espero que o Vosso sangue será o meu remédio; se sou pecador, espero que me tornareis santo.

Reconheço que no passado Vos perdi por ter deixado de recorrer a Vós nos perigos; doravante, meu Salvador e minha esperança, estou resolvido a recorrer sempre a Vós, e espero de Vós todos os socorros necessários e todos os bens. Amo-Vos sobre todas as coisas e quero amar só a Vós ; ajudai-me por piedade, pelo mérito de tantas penas suportadas por mim desde a Vossa infância. — Pai Eterno, pelo amor de Jesus Cristo, permiti que Vos ame.

Se Vos irritei, aplaquem-Vos as lágrimas de Jesus Menino, que Vos pede por mim: “Olhai para a face do Vosso Cristo” (Sl 83, 10). Sou indigno das Vossas graças, mas o Vosso Filho inocente as merece por mim, Ele que Vos oferece uma vida de sofrimentos a fim de que tenhais misericórdia de mim.

E Vós, ó Maria, Mãe de misericórdia, não cesseis de interceder por mim. Sabeis quanto confio em Vós, e eu sei que não abandonais quem a Vós recorre.

 

6º Dia – 21 de Dezembro.

“Tornei-me como um homem sem socorro, abandonado entre os mortos.” (Sl 87, 5)

Considera os sofrimentos de Jesus Cristo no seio de sua Mãe, onde esteve como numa prisão durante nove meses. É verdade que as outras crianças se acham no mesmo estado, mas não lhe sentem os incómodos, porque não os conhecem. Jesus, ao contrário, tinha pleno conhecimento deles, pois desde o primeiro instante da Sua vida, teve o perfeito uso da razão.

Possuía os sentidos e não podia servir-se deles; tinha olhos e não podia ver; tinha língua e não podia falar; tinha mão e não podia estendê-las; tinha pés e não podia andar, de sorte que durante nove meses teve de ficar no seio de Maria como um morto encerrado num sepulcro: “Como um homem sem socorro, abandonado entre os mortos”.

Era livre, porque voluntariamente se fizera prisioneiro de amor naquela prisão; mas o amor o privava da liberdade e lá o conservava tão estreitamente preso, que não podia mover-se: Ele era livre, porém entre os mortos. “Ó paciência do Salvador!”, exclama S. Ambrósio ao considerar os sofrimentos de Jesus no seio de Maria.

O seio de Maria foi pois para o nosso Redentor uma prisão voluntária, porque era uma prisão de amor; não foi todavia uma prisão injusta: Jesus era inocente, mas se oferecera para pagar as nossas dívidas e expiar as nossas iniquidades.

É pois com razão que a Divina Justiça o conservou assim encerrado, começando a exigir por esta primeira pena a satisfação que lhe era devida. Eis a que se reduz o Filho de Deus por amor dos homens: priva-Se de sua liberdade e coloca-Se em cadeias para livrar-nos das cadeias do inferno.

E nós poderíamos sem injustiça não corresponder com gratidão e amor à bondade daquEle que, sem estar a isso obrigado, mas por puro afecto para connosco, Se fez nossa caução e nosso libertador, que Se ofereceu para pagar as nossas dívidas e de facto as pagou com a Sua vida divina, e se carregou das penas devidas aos nossos crimes? “Não te esqueças”, diz o autor sagrado, “do benefício que te fez o que ficou por teu fiador, porque Ele expôs a sua vida por ti” (Eclo 29, 20).

Afectos e Súplicas

Sim, meu Jesus, o Vosso profeta tem razão de advertir-me a não esquecer a graça inapreciável que me fizestes. Eu era o devedor, o culpado; e Vós inocente, Vós, o meu Deus, quisestes expiar as minhas faltas com as Vossas dores e com a Vossa morte. Mas eu, depois disso, esqueci os Vossos benefícios e o Vosso amor e tive a audácia de voltar-Vos as costas, como se não fosseis o meu soberano Senhor, e um Senhor que me amou tanto!

Mas, meu caro Redentor, se no passado fui ingrato, estou resolvido a não cometer mais a mesma falta: os Vossos sofrimentos e a Vossa morte serão o objecto contínuo dos meus pensamentos; recordar-me-ão sem cessar o amor que me tendes. Maldigo esses dias em que, esquecido do que sofrestes por mim, fiz uso tão mau da minha liberdade; Vós ma destes para eu Vos amar, e dela me servi para Vos ultrajar! Mas hoje, consagro-Vos inteiramente essa liberdade que recebi de Vós.

Por favor, Senhor, preservai-me da desgraça de me ver outra vez separado de Vós e caído na escravidão de Lúcifer. Prendei a minha pobre alma aos Vossos sagrados pés pelas cadeias do Vosso amor a fim de que não se separe jamais de Vós. — Pai eterno, pelo cativeiro de Jesus no seio de Maria, livrai-me das cadeias do pecado e do inferno.

E Vós, ó Mãe de Deus, socorrei-me. Tendes o Filho do Altíssimo encerrado em vosso seio e estreitamente unido a Vós: já que Jesus é vosso prisioneiro, fará o que lhe disserdes, ah! dizei-lhe que me perdoe, dizei-lhe que me torne santo. Ajudai-me, minha Mãe, eu vos conjuro pela graça e honra que Jesus Cristo vos fez de habitar nove meses em vós.

 

7º Dia – 22 de Dezembro.

“Veio para o que era seu, e os seus o não receberam.” (Jo 1, 11)

Um dia, durante as festas do Natal, S. Francisco de Assis andava a chorar e a suspirar pelos caminhos e florestas, e parecia inconsolável. Perguntaram-lhe a causa da sua dor e ele respondeu: “Como quereis que eu não chore, vendo que o amor não é amado? Vejo um Deus amar o homem até a loucura, e o homem a ser tão ingrato a esse Deus!” [1] Se a ingratidão dos homens afligia tanto o coração de S. Francisco, imaginemos quanto mais afligiu o coração de Jesus Cristo!

Apenas concebido no seio de Maria, Ele viu a cruel ingratidão que devia receber dos homens. Viera do céu para acender na terra o fogo do amor divino; esse único motivo levou-O a deixar-se imergir num abismo de dores e opróbrios: “Vim trazer o fogo sobre a terra, e que quero senão que se inflame?” (Lc 12, 49). E via um abismo de pecados que os homens iriam cometer depois de receberem tantas provas de Seu amor! Eis, diz S. Bernardino de Sena, o que lhe causou uma dor infinita [2].

Nós mesmos sentimos pena insuportável vendo-nos tratados com ingratidão; é que, segundo a reflexão do bem-aventurado Simão de Cássia, “muitas vezes a ingratidão aflige mais a nossa alma do que qualquer outra dor ao corpo” [3].

Qual não foi pois a dor de Jesus Cristo, nosso Deus, ao ver que corresponderíamos aos Seus benefícios e amor com ofensas e injúrias!

Ele queixou-se pela boca de David: “Deram-me males em troca de bens, e ódio em troca do amor que Eu lhes tinha” (Sl 108, 5); mas também hoje em dia parece que Jesus Cristo se lamenta: “Sou como um estranho no meio dos- meus irmãos” (Sl 68, 9), por ver um grande número deles viver sem O amar e sem O conhecer, como se não os tivesse beneficiado, e como se nada houvera sofrido por amor deles. Ah! que caso fazem hoje muitos cristãos do amor de Jesus Cristo?

Nosso Senhor apareceu um dia ao bem-aventurado Henrique Suso sob a forma dum peregrino a mendigar de porta em porta um abrigo; mas todos o repeliam injuriando-O grosseiramente [4]. Quantos se parecem com aqueles de que falava Jó: “Diziam a Deus: Retirai-Vos de nós...; e isso depois que enchera as suas casas de toda a sorte de bens” (Jó 22, 17-18).

No passado também nós fomos ingratos; queremos ainda continuar a sê-lo? Oh! não: esse amável Menino, que do céu veio sofrer e morrer por nós para obter o nosso amor, não merece tal ingratidão.

Afectos e Súplicas

É pois verdade, meu Jesus, que descestes do céu para Vos fazer amar de mim; viestes abraçar uma vida de penas e a morte da cruz por meu amor, a fim de abrir-Vos a entrada do meu coração; e eu Vos repeli tantas vezes dizendo: “Retirai-Vos de mim, Senhor; não Vos quero!” — Ah! se não fosseis um Deus de bondade infinita, e se não tivésseis dado a Vossa vida para perdoar-me, não ousaria pedir-Vos perdão. Mas ouço que Vós mesmo me ofereceis a paz: “Converteis-vos a Mim”, dizeis, “e eu me converterei a Vós” (Zc 1, 3).

Pois bem, meu Jesus, Vós a quem ofendi, Vos fazeis meu intercessor. Não quero pois fazer-Vos ainda a injúria de desconfiar da Vossa misericórdia. Arrependo-me de toda a minha alma de Vos haver ofendido e desprezado, ó Bem supremo; recebei-me em Vossa graça, conjuro-Vos pelo sangue que derramastes por mim. Não, meu Redentor e meu Pai, “não sou digno de ser chamado vosso filho” (cf. Lc 15, 18-21), depois de haver tantas vezes renunciado ao Vosso amor; mas Vós com os Vossos méritos me tornais digno dele.

Agradeço-Vos, meu Pai, agradeço-Vos e amo-Vos. Ah! já a lembrança da paciência com que me suportastes tantos anos e das graças que me prodigalizastes após tantos ultrajes da minha parte, deveria fazer-me arder sem cessar de amor por Vós. Vinde, pois, meu Jesus, não quero mais repelir-Vos; vinde habitar no meu pobre coração. Amo-Vos e quero amar-Vos sempre; inflamai-me cada vez mais recordando-me sempre o amor que me tivestes.

Minha Rainha e minha Mãe, ajudai-me, pedi a Jesus por mim: fazei que durante o resto da minha vida, eu seja grato para com esse Deus que tanto me tem amado mesmo depois de haver recebido de mim tantas ofensas.

Referências
  1. Cf. Waddingus, Annales Minorum, anno 1208, n. 12.

  2. Cf. São Bernardino de Sena, Quadragesimale de Evangelio aeterno, Sermo 56, De Passione Domini, art. 1, cap. 2. Opera, II, Venetiis, 1745, p. 349; Quadragesimale nuncupatum Seraphim. Sermo 45. In die Veneris Sancto. 2a pars. Opera, III, Venetiis, 1745, pp. 297-99.

  3. “Tristitiam acriorem enim saepe fecit in anima ingratitudo, quam dolor inflictus in corpore.” — Simão de Cássia, De gestis Domini in quatuor Evangelistas, l. 13, De Passione Domini, cap. 26 (Coloniae Ubiorum, 1540, pag. 790, col. 1).

  4. Beato Henrique Suso, Dialogus: Colloquuntur Sapientia et minister eius, c. 6. Opera, latine reddita a R. P. Laurentio Surio Cartusiano, Coloniae Agrippinae, 1588, pp. 37-38.​

 

8º Dia – 23 de Dezembro.

“A graça de Deus, nosso Salvador, apareceu a todos os homens e nos ensinou a viver no século presente com piedade, aguardando a beatitude que esperamos, e o futuro glorioso de nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo.” (Tt 2, 11)

Considera que, por essa graça de que aqui fala o apóstolo, entende-se o ardente amor de Jesus Cristo aos homens, amor que não merecemos e que por essa razão é chamada graça. Esse amor em Deus foi sempre o mesmo, mas não apareceu sempre.

Foi primeiro prometido por um grande número de profecias e anunciado por muitas figuras; mas apareceu manifestamente quando o Redentor nasceu, quando o Verbo Eterno Se mostrou aos homens sob a forma duma criancinha, reclinada sobre palha, chorando e tremendo de frio, começando assim a satisfazer pelas penas por nós merecidas, e fazendo-nos conhecer o afecto que nos tinha pelo sacrifício que fez da Sua vida por nós.

“Nisto conhecemos o amor de Deus”, diz S. João, “em ter Ele dado a Sua vida por nós” (1Jo 3, 16). Apareceu pois o amor do nosso Deus e apareceu a todos os homens. Mas por que não O conheceram todos, e ainda hoje nem todos O conhecem? Eis como Jesus mesmo responde, a essa pergunta: “A luz veio ao mundo, e os homens preferiram as trevas à luz” (Jo 3, 19). Não O conheceram e não O conhecem, porque não querem conhecê-l'O, amando mais as trevas do pecado do que a luz da graça.Procuremos não ser do número desses infelizes. Se no passado fechamos os olhos à luz pensando pouco no amor de Jesus Cristo, procuremos no resto da nossa vida não perder jamais de vista as dores e a morte de nosso Salvador, a fim de amarmos, como devemos, Aquele que tanto nos amou. Assim teremos direito de esperar, segundo as divinas promessas, o belo paraíso que Jesus Cristo nos adquiriu com seu sangue, esperando a beatitude e o glorioso advento de nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo: “Vivendo a esperança, aguardamos a vinda de Cristo Salvador”.No Seu primeiro advento, Jesus veio sob a forma duma criança pobre e desprezada, nascida num estábulo, coberta de míseros paninhos e reclinada sobre palha; no segundo aparecerá como juiz sobre um trono glorioso. “Eles verão o Filho do homem vir sobre as nuvens do céu, com grande poder e majestade” (Mt 24, 30). Feliz de quem o tiver amado! Mas ai de quem não o tiver amado!

Afectos e Súplicas

Ó santo Menino, vejo-Vos hoje sobre a palha, pobre, aflito e abandonado; mas sei que um dia vireis, para julgar-me, num trono resplendente e cercado de anjos. Ah! perdoai-me antes desse dia terrível. Então devereis agir como juiz rigoroso; mas hoje sois Redentor e Pai de misericórdia. Eu, ingrato, fui um dos que não Vos conheceram, porque não quis conhecer-Vos; eis por que, em vez de pensar em amar-Vos considerando o amor que me testemunhastes, só pensei em satisfazer-me desprezando a Vossa graça e o Vosso amor.

Entrego agora nas Vossas mãos a alma que perdi; salvai-a. “Em Tuas mãos, Senhor, entrego o meu espírito, porque Vós me salvareis, ó Deus fiel” (Sl 30, 6). Ponho em Vós todas as minhas esperanças, sabendo que, para resgatar-me do inferno, destes o Vosso sangue e a Vossa vida. Não me fizestes morrer quando estava em pecado, e esperastes-me com tanta paciência, a fim de que, caindo em mim e arrependido de Vos haver ofendido, comece a amar-Vos, e Vós possais depois perdoar-me e salvar-me.

Ó meu Jesus, quero corresponder a tanta bondade: arrependo-me sobre todas as coisas dos desgostos que Vos dei; arrependo-me e amo-Vos sobre todas as coisas.

Salvai-me por Vossa misericórdia, e a minha salvação consista em amar-Vos sempre nesta vida e na eternidade. Maria, minha querida Mãe, recomendai-me a vosso divino Filho. Dizei-lhe que sou vosso servo e que pus em Vós a minha esperança; ele vos ouve e nada vos recusa.

 

9º Dia – 24 de Dezembro.

“José foi também para se recensear juntamente com sua esposa Maria, que estava grávida.” (Lc 2, 4)

Deus tinha decretado que o Seu Filho nascesse não na casa de José, mas numa gruta, num estábulo, da maneira mais pobre e mais penosa que possa nascer uma criança; e por isso dispôs que César publicasse um edito pelo qual cada um era obrigado a ir inscrever-se no lugar de sua origem.

Ao receber essa ordem José ficou inquieto sem saber se devia deixar ou levar consigo a Virgem Mãe, pois Ela estava para dar à luz.

— Minha Esposa e Senhora, disse-lhe, de um lado não vos quero deixar só, e do outro, se vos levar comigo fico aflito pensando no muito que tereis de sofrer em tão longa viagem e tão rigorosa estação; minha pobreza não me permite conduzir-vos com os devidos cuidados.

Maria, porém, encorajou-o dizendo:

— Meu caro José, não temais; irei convosco e o Senhor nos ajudará.

Ela sabia por inspiração e pelo conhecimento que tinha da profecia de Miquéias, que o divino Menino devia nascer em Belém. Tomou pois as faixas e os pobres paninhos já preparados, e pôs-se a caminho com José.

Acompanhemos os santos esposos em sua viagem considerando os piedosos entretimentos que nessa viagem deviam ter tido sobre a misericórdia, a bondade e o amor do Verbo Divino, que iria logo nascer e aparecer no mundo para a salvação dos homens. Consideremos ainda os louvores e as bênçãos, as acções de graças, os actos de humildade e amor, que no caminho faziam esses dois nobres peregrinos.

Ela sofria certamente muito, essa jovem e tenra virgem prestes a dar à luz, fazendo um trajecto tão longo, por caminhos difíceis e no tempo do inverno; mas sofria em paz e com amor, e oferecia a Deus todas as suas penas unindo-as às de Jesus que levava em seu casto seio.

Ah! unamo-nos a Maria e a José, e acompanhemos com eles o Rei do céu, que vai nascer numa caverna e fazer sua primeira aparição no mundo como uma criança, e como a criança mais pobre e abandonada que jamais nasceu entre os homens.

Peçamos a Jesus, Maria e José, pelos méritos das penas que sofrem nessa viagem, que nos acompanhem na viagem que fazemos à eternidade. Felizes de nós, se na vida e na morte formos sempre acompanhados por esses três grandes personagens!

e SúplicasAfectos

Meu caro Redentor, sei que os anjos do céu Vos acompanham nessa viagem; mas entre os habitantes da terra, quais são os que vos acompanham? Vejo conVosco só José e Maria que Vos leva em seu seio; ó meu Jesus, permiti que eu me una a eles para Vos seguir. Ah! tenho sido bem ingrato para conVosco! vejo agora o mal que fiz: descestes do céu para me fazer companhia na terra, e eu tive tantas vezes a ingratidão de deixar-Vos ofendendo-Vos.

Ó meu divino Mestre, quando penso que para seguir as minhas malditas inclinações tantas vezes me separei de Vós, renunciando à Vossa amizade, quisera morrer de dor.

Mas viestes para perdoar-me; perdoai-me pois agora, que me arrependo de toda a minha alma de Vos ter tantas vezes desprezado e abandonado. Estou resolvido e espero, com a Vossa graça, não me afastar nem separar de Vós, meu único amor!

Sim, minha alma está tomada de amor por Vós, meu amável Deus-Menino! Amo-Vos, meu doce Salvador, e já que viestes à terra para me salvar e me comunicar as Vossas graças, eis a única que Vos peço: fazei que não me separe jamais de Vós; cativai-me prendendo-me estreitamente a Vós pelas doces cadeias do Vosso santo amor. Ah! meu Redentor e meu Deus, quem poderia ainda deixar-Vos e viver sem Vós, privado da Vossa graça?

Santíssima Virgem Maria, venho fazer-vos companhia em vossa viagem a Belém; e vós, minha Mãe, não cesseis de ajudar-me na viagem que faço à eternidade. Assisti-me sempre, mas sobretudo no fim da minha vida, quando eu chegar a esse último momento que deve decidir se estarei, ou sempre convosco para amar a Jesus no céu, ou sempre longe de vós para odiar a Jesus no inferno.

Minha Rainha, salvai-me com vossa intercessão; e a minha salvação seja amar-vos para sempre, a Jesus e a vós, no tempo e na eternidade. Sois minha esperança, espero tudo de vós.

Santo Afonso Maria de Ligório,

Doutor da Igreja,

 

Notas
  • Extraído e adaptado do livro “Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo”, São Paulo: Cultor de Livros, 2016, pp. 227-230. A versão original italiana desta novena pode ser livremente consultada aqui.

Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor da Igreja,

in Meditações para todos os Dias e Festas do Ano

(Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa)

23 visualizações

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page