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O QUE SANTO TOMÁS DIRIA SOBRE OS VIDEO GAMES?


É possível usar de modo sadio e equilibrado os lazeres proporcionados pela internet? Descubra a resposta a partir de uma secção pouco conhecida da obra de Santo Tomás de Aquino: a teologia dos divertimentos.

Pode parecer impressionante, mas Santo Tomás de Aquino, do longínquo século XIII, possui uma das reflexões mais interessantes e profundas a respeito de jogos e diversões — e isso numa época em que não existia nem computador, Xbox, nem PlayStation… A actualidade do Doutor Angélico mostra como o ser humano é essencialmente o mesmo: ainda que mudem os tempos, “nada há de novo debaixo do sol” (Ecle 1, 9).

Estas breves considerações que pretendemos fazer, no entanto, são mais do que necessárias nos últimos anos, à medida que se aperfeiçoam os gráficos dos video games e em que aumentam — especialmente para os jovens, mas não só para eles — os riscos de “refugiar-se numa espécie de mundo paralelo ou expor-se excessivamente ao mundo virtual” [1].

Partamos logo, então, à madura análise de Santo Tomás de Aquino sobre esse assunto, que se encontra na Suma Teológica, II-II, q. 168.

A primeira coisa que faz esse santo Doutor é examinar se pode haver alguma virtude nas actividades lúdicas. Pode até parecer estranho para alguns, mas a sua resposta é positiva. Trata-se da virtude moral da eutrapelia, “que tem por objecto regular, segundo a recta ordem da razão, os jogos e diversões” [2]. O Aquinate explica:

Assim como o homem precisa de repouso para refazer as forças do corpo, que não pode trabalhar sem parar, assim também é preciso que o cansaço mental se dissipe pelo repouso mental. O repouso da mente é o prazer, como acima se explanou ao se falar das paixões. Daí a necessidade de buscar remédio à fadiga da alma em algum prazer, afrouxando o esforço do labor mental. Essas palavras e acções nas quais não se busca senão o prazer da alma chamam-se divertimentos ou recreações. Lançar mão delas, de quando em quando, é uma necessidade para o descanso da alma. Por isso, é preciso praticá-los de vez em quando.

Com isso, Santo Tomás afasta desde o princípio o extremo da austeridade excessiva de quem “rechaça até a recreação honesta e saudável” [3]. “Nas acções humanas”, continua ele, “tudo o que vai contra a razão é vicioso. Ora, é contra a razão ser um peso para os outros, não lhes proporcionando, por exemplo, nenhum prazer e impedindo o prazer deles.”

Na mesma questão, porém, o santo alerta para três cuidados importantes que devem ser tomados nessa matéria.

O primeiro é o de não recrear-se com actos ou palavras indecentes e nocivos ao próximo, coisa que constituiria, por si só, pecado mortal. Aqui poderiam ser mencionados certos tipos de música e de dança que, incitando a sensualidade, facilmente conduzem as pessoas envolvidas ao pecado. Não é diversão legítima aquela que nos faz cair no vício.

“Se dás muito tempo ao jogo, ele já não é um divertimento, mas passa a ser uma ocupação.”

O segundo é não perder totalmente a seriedade de alma, a exemplo de Santa Isabel da Hungria, que “jogava às vezes e achava-se presente nas reuniões de divertimentos, sem que com isso perdesse a sua devoção” [4].

A nossa vida é um dom muito precioso que nos foi confiado por Deus: fomos colocados neste mundo para uma finalidade, que é amá-l'O e cumprir a Sua Santa Vontade, procurando a glória do Céu. Há um verdadeiro combate que acontece nos ares (cf. Ef6, 12), com a nossa alma a correr sério risco de perder-se, especialmente em tempos como os nossos. A nossa vida não deve ser levada de qualquer maneira, como se fosse uma brincadeira. Por isso, diz o romano Cícero — citado pelo Aquinate — que “também no nosso divertimento deve brilhar a luz de um espírito virtuoso”.

A terceira advertência de Santo Tomás é, enfim, a mais séria e negligenciada de todas: existem circunstâncias apropriadas para brincarmos. O santo Doutor da Igreja menciona as palavras acertadíssimas de Cícero: “Certamente, podemos entregar-nos a jogos e brincadeiras, mas, como no sono e noutros descansos, só depois de satisfeitas as nossas obrigações graves e sérias”. Por outras palavras, como diz um ditado famoso: primeiro o dever, depois o lazer.

É São Francisco de Sales quem manifesta o porquê disso:

Se dás muito tempo ao jogo, ele já não é um divertimento, mas passa a ser uma ocupação, de modo que, em vez de aliviar o espírito e o corpo, sai-se do jogo cansado e estafado, como acontece aos que jogaram xadrez por cinco ou seis horas sem parar, ou, então, tendo gasto muitas forças e energias, como quem joga bola por muito tempo, continuamente. [5]

Ora, não é verdade que os jogos virtuais, para muitas crianças, jovens e até adultos, em vez de ser um simples passatempo de fim de semana, converteu-se na dissipação completa do tempo de que dispõem? A internet e os video games não se tornaram, na verdade, a grande fonte de perda de tempo para a nossa época?

São Francisco de Sales menciona, na sua época, pessoas que “jogaram xadrez por cinco ou seis horas sem parar”, mas quantos já não repetiram essa mesma cifra com actividades semelhantes, e repetem-na incessantemente, fazendo com que toda a sua vida se passe diante de uma tela de telemóvel, de TV ou de computador?

Justamente nessa falta de equilíbrio é que se aplica a justa intervenção paterna. Se as crianças não têm limites, são os pais os responsáveis por ordenar segundo a recta razão as actividades de lazer dos seus filhos. Se a falta de moderação é dos adultos, porém, é necessário tomar consciência do problema e agir de modo efetivo para aproveitar melhor o tempo que nos é dado por Deus. Que diferença não faríamos no mundo, se procurássemos as coisas de Deus com a mesma determinação que temos para usufruir das tecnologias deste mundo!

Atentemo-nos, por fim, a um último conselho de São Francisco de Sales e aprendamos de uma vez a dar valor às coisas que realmente importam:

Sobretudo, toma todo o cuidado, Filotéia, que teu coração não se apegue a estas coisas, porque, por melhor que seja um divertimento, não devemos atar a ele o coração e o afecto. Não digo que não se ache gosto no jogo, quando se está a jogar, porque senão não seria um divertimento; digo somente que não se deve ir a ponto de desejá-lo ansiosamente, como uma coisa de grande importância. [6]

In Christo Nihil Praeponere

 
Referências
  1. Bento XVI, Mensagem para o 45.º Dia Mundial das Comunicações Sociais (24 de janeiro de 2011).

  2. Antonio Royo Marín, Teología Moral para Seglares. 4.ª ed., Madrid: BAC, vol. 1, 1973, p. 380.

  3. Id., p. 380.

  4. São Francisco de Sales, Filotéia ou Introdução à Vida Devota, III, 34. 8.ª ed., Petrópolis: Vozes, 1958, p. 263.

  5. Id., III, 31, p. 257.

  6. Id., III, 31, p. 258.

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