Ao criar o primeiro homem à Sua imagem e semelhança, Deus conferiu-lhe dons extraordinários, alguns muito acima da natureza humana: os sobrenaturais, que pela graça divina o tornava participante da Sua própria natureza; e os preternaturais, comuns à natureza dos anjos, tais como a integridade, imortalidade, impassibilidade, perfeito domínio sobre os animais e sabedoria insigne.
O dom da integridade consiste na total imunidade de concupiscência desordenada. Ou seja, o primeiro homem tinha a sua razão submetida ao mais elevado - a Deus; o seu apetite sensitivo não possuía nenhum movimento desordenado. Ele alimentava-se para conservar a sua própria vida e se unia à sua mulher para propagar a espécie, segundo o mandamento do Senhor: "Procriai e multiplicai-vos (Gen.I, 28). Este dom removia do homem todos os obstáculos de ordem moral que pudessem impedir a vida sobrenatural da graça.
Com o dom da imortalidade, o homem não sofreria a morte - que é a desagregação dos diversos elementos de toda matéria viva - e viveria algum tempo no Paraíso Terrestre, sendo transladado para o céu (visão beatífica), sem passar pelo terrível e doloroso transe da morte.
A isenção de toda a dor ou sofrimento da alma e do corpo foi dada através do dom da impassibilidade. Nenhuma perturbação espiritual ou corporal podia alterar a perfeita felicidade natural dos nossos primeiros pais no Paraíso, para que a sua união com Deus pudesse desenvolver-se em paz e tranquilidade.
O primeiro homem criado em estado de inocência dominava perfeitamente os animais, pois as coisas inferiores estavam submissas às superiores. Em virtude desse privilégio preternatural, o homem agia como ministro da Divina Providência, fazendo com que todos os seres irracionais, inferiores ao homem, lhe obedecessem como animais domésticos.
Além desses dons comuns a toda a humanidade, Adão recebeu, por ser o princípio, mestre e cabeça de todo gênero humano, um intransferível e magnífico dom: a Sabedoria e Ciência excelentíssimas.
Segundo São Tomás de Aquino, "como o primeiro homem foi instituído em estado perfeito quanto ao corpo, assim também foi instituído em estado perfeito quanto à alma , de modo a poder logo instruir e governar os outros seres" (Suma Teológica, q. 96, 1).
Como contrapartida desses imensos benefícios, foi apresentada ao homem uma prova.
Devia ele cumprir de modo exímio a lei divina, guiando-se pelas exigências da lei natural gravada no seu coração, e respeitar uma única norma concreta que Deus lhe dera: a proibição de comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, plantada no centro do Jardim do Éden (cf. Gn 2, 9-17).
Narra-nos a Sagrada Escritura como a serpente tentou Eva, como caíram os nossos primeiros pais e como foram expulsos do Paraíso (cf. Gn 3, 1-23).
Por isso, diz Santo Agostinho que uma vez consumada a transgressão do preceito, no mesmo instante, destituída a alma da graça divina, envergonharam-se da nudez de seu corpo, pois sentiram em sua carne um movimento de rebeldia, como pena correspondente à sua desobediência. Quando a graça abandonou a alma, desapareceu a obediência das leis do corpo às da alma. O primeiro pecado foi uma revolta interna contra Deus, que rompeu a submissão da razão a Deus e produziu a ruptura e desordem das faculdades inferiores.
Mas Deus, na sua infinita misericórdia, não lhes retirou os privilégios naturais, como descreve o douto Pe. Tanquerey: "Contentou-Se de os despojar dos privilégios especiais que lhes tinha conferido, isto é, dos dons preternaturais: conservando pois, a natureza e os seus privilégios naturais".
Mas, por que o pecado de Adão foi transmitido a todos seus descendentes? Porque a justiça original foi um dom de Deus para toda natureza humana na pessoa de Adão, como cabeça de toda a humanidade. Se só Eva tivesse pecado, a natureza humana permaneceria intacta e conservaria todos os privilégios. Assim, pelo pecado de Adão - pecado original - entrou o mal no mundo, como afirma o Apóstolo São Paulo: "Por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte" (Rm 5,12).
O pecado original abriu entre Deus e os homens um abismo intransponível. As portas do Céu fecharam-se e o homem contingente só podia oferecer a Deus uma reparação imperfeita da ofensa cometida. Estariam, então, os umbrais da felicidade eterna irrevogavelmente fechados? Não! Perenptoriamente atestam as palavras do Apóstolo: "Onde abundou o pecado, superabundou a graça" (Rm 5,20). Deus na Sua infinita misericórdia prometeu o remédio para tal enfermidade e, no tempo previsto enviou o Seu Filho Unigênito. "Ó feliz culpa que mereceu tão grande Salvador" (MISSALE ROMANUM, 2008, p.348).
O próprio Criador fez-Se criatura para, com uma generosidade inefável, saldar a nossa dívida. O Filho "fazendo- Se obediente até à morte, e morte de cruz" (Fl 2, 8), restituiu ao homem a graça perdida com o pecado e abriu-nos as portas do céu.
Por Bárbara Honório publicado em gaudiumpress.org