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O PECADO É POPULAR, FALAR SOBRE ELE NEM TANTO




O pecado é problemático. Há alguns anos, dei uma conferência numa universidade que, apesar de não ser católica, tinha uma clara identidade cristã e reputação de ser fiel aos ensinamentos e tradições de sua denominação. Numa aula de teologia, falei sobre o meu escritor favorito e citei o trecho de Ortodoxia no qual Chesterton diz que o pecado original é a única doutrina que podemos provar. Basta olharmos ao nosso redor, pois a evidência está por todos os lados.

Expliquei que o pecado é uma separação. É a ruptura do relacionamento entre o Homem e Deus, e a obra de Cristo é restaurar essa relação para que possamos entrar em comunhão com Deus novamente. Chesterton diz que, quando defendemos a fé cristã, o ponto de partida óbvio é falar sobre o pecado. O mundo pode tentar negar que Deus e Cristo são reais, mas não pode negar a realidade do pecado. Mas ele também diz que a nova teologia faz exactamente isto: nega de forma astuciosa a existência do pecado. Ele dá o exemplo de um homem que está a esfolar um gato vivo. Uma pessoa normal que testemunhasse tal atitude chegaria a uma destas duas conclusões: ou que Deus não existe ou que a união entre Deus e o Homem não existe. Em outras palavras: o pecado existe.


Porém, o novo teólogo contorna esse dilema. Ele não se importa em negar a existência de Deus ou do pecado. Ele nega a existência do gato. Chamei a atenção para o facto de que o exemplo de Chesterton, embora seja a um só tempo horripilante e engraçado, é também profético. Se um médico pode despedaçar um bebé no ventre materno, das duas uma: ou não há Deus algum, ou a união entre Deus e o Homem está cortada. No entanto, o mundo moderno evita essas duas conclusões e simplesmente nega a existência do bebé

O que me deixou assustado quando disse isso aos estudantes foi o facto de eles não terem ficado perplexos. Pareciam ter entrado num estado de completa confusão, letargia e paralisia catatónica. Depois da palestra, o professor disse-me em tom de desculpa: “Ninguém fala mais sobre pecado.” Creio que ele não seja popular.

Naturalmente, em quase todas as outras universidades, o pecado é a coisa mais popular do campusmas apenas como actividade, não como tema de debate teológico. Porém, quando o cometem ou o debatem, as pessoas não o chamam pelo nome. Ora, se não falam sobre pecado numa escola cristã — e menos ainda numa aula de teologia —, elas conversam sobre o quê? E se não falam do pecado, elas também não mencionam a confissão — algo compreensível numa escola protestante —, mas, se não abordam o pecado ou a confissão, também não podem falar sobre perdão. Realmente, Cristo não tem nada a ver com isso.


Quando deixamos de falar do pecado na nossa doutrina, criamos uma quimera incontrolável. Se não entendemos o que é o pecado, certamente não compreenderemos o perdão. E isso é problemático. É um problema bem narrado por Chesterton numa das melhores histórias do Padre Brown. Ao investigar um velho crime, o humilde sacerdote-detetive descobre que as pessoas se estavam a ofender com suas indagações, pois, embora tivesse sido algo realmente grave, o crime fora praticado há muito tempo. O Padre Brown é instado a ficar longe do suspeito e deixá-lo em paz. Claro, ele provavelmente é culpado, mas o sacerdote não poderia mostrar um pouco de compaixão e simplesmente deixar aquilo de lado? O suspeito já não tinha sofrido o bastante?


Porém, o padre não desiste. Quer saber a verdade. Afinal de contas, é uma história de suspense. Então, ele resolve o crime descobrindo um delito pior ainda. Quando revela às pessoas o verdadeiro crime, todos ficam aterrorizados. De repente, voltam-se contra o criminoso que estavam a proteger. Ficam aborrecidos e decidem afastar-se dele. Mas o Padre Brown choca-os novamente quando explica que terá de ouvir a confissão do homem. “Como é que o senhor pode perdoá-lo depois do que fez?” O sacerdote explica que esse é o seu ofício e que os assim chamados simpatizantes compassivos só querem perdoar pecados que pensam não ser pecados.

É uma reviravolta que descreve a atitude contemporânea em relação ao pecado. Primeiro: ele não existe, e os católicos que o mencionam gostam de julgar o próximo. Segundo: algumas coisas são absolutamente inaceitáveis, e os católicos seriam ingénuos se achassem que elas podem ser perdoadas. O pecado só pode ser negado até o ponto em que se revela inegável. Mas, se para algumas pessoas esse é um ponto de desespero, para outras, todavia, a experiência da realidade do mal pode ter o efeito surpreendente de levá-las a perceber essa mesma realidade nelas mesmas e, assim, suplicar a misericórdia de Deus.

O que acontece se não confessamos os nossos pecados? São Roberto Belarmino diz que a punição para o pecado é… o pecado. Se ele é a ruptura com Deus, então, a insistência no pecado preserva essa separação. Além disso, também nos torturamos quando pecamos. Tornamo-nos escravos do mais cruel dos mestres. 

É apenas quando somos salvos dos nossos pecados que interrompemos a espiral descendente do pecado. Uma das coisas que atraiu Chesterton para a Igreja Católica foi o Sacramento da Confissão. Ele sabia que uma Igreja da qual a Confissão era componente essencial certamente tinha um credo fundamentado na verdade. O pecado é uma mentira, e confessá-lo significa dizer a verdade. O pecado é uma prisão, e o confessionário é a forma de sair dela. Cristo, a própria Verdade, veio para nos libertar.

Ah, e se quiser saber de que história do Padre Brown estou a falar, não lhe direi. Leia todas!



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