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“NO MEIO DAS PANELAS TAMBÉM ANDA O SENHOR”


A tradição carmelitana conta que, certa vez, Santa Teresa estava a preparar alguns ovos para a refeição das monjas e… entrou em êxtase, segurando a frigideira na mão.

A tradição carmelitana conta que, certa vez, Santa Teresa estava a preparar alguns ovos para a refeição das monjas e… entrou em êxtase, segurando a frigideira na mão. Que situação estranha para ser arrebatada por Deus! Afinal, não era um momento de oração… nem se estava no sossego da capela… mas na agitação da cozinha!

Contudo, ao voltar a si, a santa, como que justificando-se, disse às suas filhas: Entre los pucheros, también anda el Señor – “No meio das panelas, também anda o Senhor”.

Nesta resposta encontramos a explicação para o facto tão insólito. Santa Teresa pôde encontrar o Senhor no meio das panelas, porque vivia a admoestação de São Paulo: “Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1Cor 10, 31). Em outras palavras: ela vivia na presença de Deus.

O exercício da presença de Deus é extremamente importante para a vida de oração. E, sobretudo, nos tempos actuais.

Então, agora, perguntamo-nos: num mundo em que as comunicações são sempre mais fáceis e exigem respostas imediatas, em que as solicitações são sempre mais prementes e crescem em número, onde fica o empenho de estar na presença de Deus? O ritmo acelerado absorve-nos e a dispersão toma conta de nós. E, na verdade, não são poucas as pessoas que, sedentas de intimidade com o Senhor, buscam o seu momento diário de oração, mas, ao ajoelharem-se, não conseguem fazer “a poeira assentar”. Passaram o dia dando atenção a coisas exteriores, estão impregnadas de impressões e preocupações. Resultado: a lembrança de Deus esvaiu-se no correr das horas.

Esquecido no “fundo da gaveta” das nossas vidas, o exercício da presença de Deus é extremamente importante para a vida de oração. E, sobretudo, nos tempos actuais. Ele pode ser definido como uma prática que tem por fim manter o contacto com Deus durante as diferentes ocupações do dia. É verdade que Santa Teresa não falou directamente sobre isso, mas os seus exemplos de vida e os conselhos espalhados aqui e ali nos seus escritos constituem um tesouro para nós.

Referindo-se à meditação, a santa diz que “o essencial não é pensar muito – é amar muito” . No caso do exercício da presença de Deus, esta indicação adquire um peso ainda maior do que no seu contexto original. Ele é vivido no desenrolar de outras actividades e, como não temos a capacidade de pensar em duas coisas ao mesmo tempo, o pensamento — que serve apenas para orientar a vontade para Deus de modo a estabelecer um contacto e unir-se com Ele — já deve ter sido feito. Durante o dia, é a simples lembrança deste pensamento que será evocada, suscitando amor e levando a alma ao contacto com Deus.

O exemplo do êxtase na cozinha ilustra perfeitamente isso. Ocupada nos afazeres culinários, a santa tinha o coração preso a um sentimento que lhe falava de Deus e a levava a amá-Lo e a entregar-se a Ele.

Prática aprendida nos primeiros anos passados no mosteiro, o exercício da presença de Deus foi uma constante em toda a sua vida, pois procurava encarnar o preceito da Regra Carmelitana de viver “meditando dia e noite na lei do Senhor e velando em oração”. Logo após a sua tomada de hábito, ela atesta:

Na verdade, algumas vezes, estando a varrer em horas que antes costumava ocupar com os meus divertimentos e vaidades, sentia uma estranha felicidade sem saber de onde vinha, ao me lembrar que estava liberta de tudo aquilo.

Por detrás dessas linhas, podemos ver que Santa Teresa meditava e apreciava a graça da vocação e as maravilhas operadas por Deus na sua vida. Ficava presa neste sentimento de gratidão e felicidade e, com isso, unia-se a Deus sem interromper suas obrigações, ora dizendo-Lhe uma breve palavrinha, ora absorta na doce impressão que lhe envolvia a alma.

Contudo, nem sempre é fácil chamar à tona a síntese de um pensamento que já nos levou a Deus e, desta forma, provocar um impulso de amor que nos una a Ele. Sem dúvida, uma coisa é varrer ou fritar ovos; outra é, por exemplo, estar empenhado num trabalho intelectual sério que nos suga tanto, a ponto de ficarmos incapazes de pensar em outra coisa ou de interromper sua execução. Nossa atenção está toda e exclusivamente dedicada ao tal trabalho. Nosso ser está na presença do trabalho e não na presença de Deus! O que fazer? Afinal, trata-se de uma obediência aos nossos deveres de estado…

Mas Santa Teresa adverte:-nos “É mister, entretanto, que mesmo nas obras de obediência e de caridade, andeis atentas e não vos descuides de acudir muitas vezes a vosso Deus que está no vosso íntimo”. E, noutro lugar, constata: “Se vivêssemos com cuidado, lembrando-nos frequentemente de que temos em nós tal Hóspede, acho impossível darmo-nos tanto às coisas do mundo”.

Eis, então, um conselho simples, prático e eficaz:

"Sabeis o que vos pode ajudar para vos manter na presença de Deus? Procurai trazer convosco uma imagem ou retrato deste Senhor, que seja de vosso gosto. Não para a colocardes no seio sem a olhar, mas para lhe falardes muitas vezes."

Uma pequena estampa ou imagem na mesa de trabalho, um crucifixo na parede… Isto bastará para que, ao esbarrar os olhos nestes objectos, a nossa memória aviva o pensamento e este, por sua vez, inflame o amor. O recolher-se dentro de si será, então, imediato. Se possível, uma breve pausa que não comprometa o andamento do trabalho, será ocasião para um rápido colóquio com Deus. Mas se isto for inviável, uma simples jaculatória impregnada de afecto ou um mero suspiro cheio de significado para nós será suficiente para reacender a impressão de nosso último momento de oração e nos manter “pendurados” em Deus. Às vezes — é verdade — o ambiente de trabalho não é propício para se ter uma estampa sobre a mesa, mas, enfim, nada impede que tenhamos connosco uma medalha ou outro objecto piedoso de uso pessoal, o qual possamos tocar ou apertar.

Santa Teresa pede que nos acostumemos a estas pausas, sob o risco de acabarmos por passar o dia distantes de Deus e, a longo prazo, diminuir a amizade com Ele.

"É preciso acostumar-vos a isto, adquirir o hábito. A falta de trato com uma pessoa causa estranheza e embaraço, nem se sabe falar com ela. Mesmo sendo aparentada connosco, parece que não a conhecemos. Com a falta de comunicação pouco a pouco se perdem o parentesco e a amizade. "

Fica claro: no início, a vontade está disposta a fazer oração, mas a agitação interior impede o recolhimento. Se esta agitação interior não perder sua força, a vontade, sempre derrotada, encolhe e… o relacionamento com Deus fica mais distante até que a amizade venha a morrer. Trata-se, como a santa diz, de criar um hábito e, portanto, pressupõe-se um esforço inicial para isto.

Algumas práticas monásticas podem ser adaptadas ao mundo secular com proveito. Por exemplo: às noviças ensina-se a estarem atentas às badaladas de um determinado toque de sino que se repete muitas vezes ao dia, ou ao timbre de um relógio de carrilhão nas horas cheias. A cada vez que esse som ecoa, fazem uma pausa e colocam-se na presença de Deus. Por que não programar o telemóvel para tocar em intervalos regulares de tempo? Por que não procurar um som cíclico que se repete no tempo do trabalho, como o toque de fim de uma aula no caso de uma escola? Porque é que, a cada vez que se vai reiniciar um processo de montagem, não se eleva o coração a Deus? Coisas pequenas, mas que realmente surtem efeito!

E para os que, por circunstâncias da vida, estão mais imersos na comunicação contínua com pessoas ou na preocupação do deslinde de diferentes actividades, a santa diz:

"Se tiver que falar com alguém, procure lembrar-se de que possui dentro de si mesma com quem se entreter. Se tiver que ouvir outras pessoas, preste atenção a uma voz que de mais perto lhe fala. Em suma, esteja persuadida de que, se quiser, poderá estar sempre na óptima convivência do seu Deus."

Uma vez criado o hábito, Deus torna-se o Amigo mais próximo, com quem não temos cerimônia, mesmo nos “imprevistos previstos” no nosso dia-a-dia que, na falta deste Amigo de todas as horas, nos levariam a perder a calma. Tornou-se assunto das recreações das monjas a reação de Santa Teresa rumo a uma de suas tantas fundações.

Chovera muito; a carroça deveria atravessar uma ponte que mal se distinguia, em virtude do nível alto a que subira a água do rio. De repente, a carroça se desequilibra e tomba na água. Saltando com a água pelos joelhos, a santa, ao invés de impacientar-se, olha para o alto e diz: “Senhor, com tantos males e ainda por cima isto?... Se tratas assim teus amigos, é por isso que os tens tão poucos!”.

Se almejamos uma amizade assim com Deus, tão próxima e que, embora cheia de respeito pode manifestar tanta liberdade no trato, tenhamos em mente as palavras da santa:

Quem quiser adquirir este hábito, não desanime. Trabalhe por acostumar-se ao que ficou dito. Procure adquirir pouco a pouco o domínio de si mesma, sem se dissipar à toa. É ganhar a si para si e utilizar os próprios sentidos para a vida interior. [...] "Nada se aprende sem um pouco de trabalho; por amor de Deus, Irmãs, dai por bem empregada a diligência que nisto fizerdes. Esforçando-vos, tenho certeza de que dentro de um ano, ou talvez meio ano, o conseguireis, com o favor de Deus. Considerai como é pouco esse tempo para tão grande proveito [...]. Praza a Sua Majestade jamais consentir que nos apartemos de sua divina presença. Amém."

In Christo Nihil Praeponere

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