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SANTO CURA D'ARS FALA-NOS SOBRE AS TENTAÇÕES


Não somos nada por nós mesmos

As tentações são necessárias para que possamos perceber que não somos nada por nós mesmos. Santo Agostinho diz-nos que deveríamos agradecer a Deus tanto pelos pecados dos quais Ele nos preservou como pelos pecados que Ele por caridade nos perdoou. Caso venhamos a cair nas ciladas do demónio, nós pensamos que somos capazes de nos levantarmos novamente, confiando muito mais nas nossas promessas e resoluções do que na força de Deus. Isto é uma grande verdade!

Quando nós não temos nada do que nos envergonhar, quando todas as coisas estão a correr bem e de acordo com os nossos desejos, nós ousamos pensar que nada poderia derrubar-nos. Esquecemo-nos facilmente do nosso próprio nada e da nossa fraqueza interior. Chegamos mesmo a protestar, que estamos prontos a morrer do que permitirmos sermos vencidos. Nós vemos o esplêndido exemplo de São Pedro, que disse ao Senhor que ainda que todos se escandalizassem d'Ele, ele não se escandalizaria. Coitado! Para mostrar-lhe, como o homem entregue às suas próprias forças, não é absolutamente nada, Deus fez uso, não de reis, príncipes ou armas, mas sim da voz de uma simples empregada na noite da prisão de Jesus, que confrontou Pedro com um monte de interrogações. E nesse momento Pedro protesta dizendo que nem sequer conhecia o Senhor, e fez de contas que nem sabia do que ela estava a falar. Para assegurar aos presentes, de um modo ainda mais veemente de que ele não conhecia Jesus, chegou mesmo a jurar! Ó Senhor, o que não somos capazes de fazer quando estamos entregues a nós mesmos!

Existem pessoas, que fazem questão de dizer, o quanto eles invejam os santos que fizeram grandes penitências! Chegam a acreditar que poderiam fazer o mesmo! Às vezes quando lemos sobre a vida de alguns mártires, gostaríamos, pensamos, estarmos prontos para sofrer tudo que eles sofreram por amor a Deus. Chegamos ao ponto de pensar: é um momento de sofrimento muito curto para a recompensa que vamos receber no Céu! Mas o que faz Deus para nos ensinar a nos conhecermos, ou melhor, para reconhecermos que não somos absolutamente nada? Eis o que Ele faz: Permite que o demónio se aproxime um pouquinho mais de nós. E nesse momento, veja o que acontece com os cristãos que há apenas uns minutos atrás invejavam aquele eremita que vive retirado no deserto, alimentando-se somente de ervas e raízes e que fez a firme resolução de submeter o seu corpo a duras penitências. Coitado! Uma leve dor de cabeça, a simples espetada de um espinho, o faz condoer-se todo por si próprio! Não importando o quão grande e forte ele possa aparentar. Ele aborrece-se, reclama da dor. Poucos momentos atrás, estava disposto a fazer todas as penitências dos anacoretas (monges do deserto) e agora, o menor contratempo fá-lo cair no desespero! Agora vejamos esse outro cristão, que parece querer entregar toda sua vida a Deus. Que possui um ardor que tormento algum poderia apagar! Um pequeno escândalo... uma palavra de calúnia... e até mesmo uma fria receptividade ou pequena injustiça cometida contra ele... uma gentileza retribuída com ingratidão... imediatamente desperta nele todos os sentimentos de ódio, vingança e descontentamento, a ponto de frequentemente, desejar nunca mais ver o seu próximo ou pelo menos tratá-lo de um modo frio, de forma a demonstrar o quanto aquela pessoa o ofendeu. E quantas vezes, isso se torna o seu primeiro pensamento ao acordar, assim como o pensamento que sempre o impede de dormir em paz?

Coitado!

Meus caros amigos, nós somos umas coisas pobres, e por isso deveríamos contar muito pouco com nossas próprias resoluções.

Cuidado se não sofre tentações!

A quem o demónio mais persegue? Talvez ache que as pessoas que são mais tentadas, são indubitavelmente, os beberrões, os provocadores de escândalos, as pessoas imodestas e sem vergonha que se deitam e rolam na imundice e na miséria do pecado mortal, que se enveredam por toda espécie de maus caminhos. Não, meu caro irmão! Não são essas pessoas! Ao contrário, o demónio deixa-os de lado, ou seja ele se apoia nelas enquanto elas vivem, porque de contrário não teria tanto tempo para fazer o mal. Isso porque, quanto mais tempo essas pessoas viverem, mais seus maus exemplos arrastarão outras almas para o Inferno. De facto, se o demónio tivesse perseguido esse velho companheiro obsceno e sem-vergonha, ele teria encurtado a duração de sua vida em 15 ou 20 anos, de forma que não teria destruído a virgindade daquela jovem ali, seduzindo-a para a inominável mira das suas indecências. Ele não teria novamente seduzido aquela mulher casada e nem ensinado as suas más lições àqueles rapazinhos, que talvez as continue a praticar até o final de suas vidas. Se o demónio tivesse incitado a este ladrão ali na frente, a roubar em tudo quanto é ocasião, ele teria ido acabar na forca e não teria tempo para induzir o seu vizinho a seguir o seu mau exemplo. Se o demónio tivesse encorajado esse beberrão ali, a se embebedar incessantemente com o vinho, ele já teria morrido há muito tempo nas suas libertinagens, e não teria tempo de fazer com que outros seguissem o mesmo caminho que o seu. Se o demónio tivesse tirado a vida deste músico ali, ou daquele organizador de bailes, ou daquele dono de cabaré, em algum tipo de tumulto ou assalto, ou em qualquer outra ocasião, quantas almas não seriam poupadas da danação eterna! Santo Agostinho ensina-nos que o demónio não importuna muito essas pessoas; pelo contrário, ele até as despreza e cospe sobre elas.

Assim, perguntar-me-ia: então quem são as pessoas mais tentadas? São estas meus caros amigos, observem-nas atentamente. As pessoas mais tentadas são aquelas que estão prontas, com a graça de Deus, a sacrificar tudo pela salvação de suas pobres almas, que renunciam a todas as coisas que a maioria das pessoas buscam ansiosamente. E não é um demónio só que as tenta, mas milhões de demónios procuram armar-lhes ciladas. Uma vez, São Francisco de Assis e todos os seus religiosos estavam reunidos numa área plana e aberta, onde tinham erguido algumas choupanas de palha. Procurando um meio de fazer com que todos fizessem penitências extraordinárias, São Francisco ordenou que fossem trazidos todos os instrumentos de penitência, e os a seus religiosos os trouxeram aos feixes.

Havia um jovem homem a quem Deus concedeu a graça de poder ver o seu Anjo da Guarda. Esse homem viu, de um lado, todos esses bons religiosos que procuravam satisfazer a sua sede por mais penitências e do outro, o Anjo permitiu-lhe ver uma legião de 18 mil demónios, que se estavam a reunir em conselho para ver de que modo poderiam subverter esses religiosos pela tentação. Um dos demónios disse: "Vocês não percebem mesmo! Esses religiosos são tão humildes; Ah! que virtude espantosa! são tão desapegados de si próprios, tão apegados a Deus! Eles possuem um superior que os guia, de forma que é impossível ser bem sucedido em qualquer ataque que lhes façamos. Vamos esperar até que o superior deles morra e então introduziremos entre eles jovens sem nenhuma vocação que trarão um certo relaxamento de espírito para a ordem, e aí sim, nós os venceremos.

Mais tarde, quando esse homem entrou na cidade, viu um demónio sentado sozinho no portão de entrada da cidade e que tinha a tarefa de tentar todos os habitantes daquele lugar. Esse santo perguntou ao seu Anjo da Guarda porque motivo, para tentar apenas aquele grupo de religiosos, haviam tantos demónios, ao passo que para toda aquela cidade havia apenas um sentado à sua entrada. O seu bom Anjo respondeu-lhe então, que aquelas pessoas não precisavam de tentação, uma vez que já estavam entregues aos seus próprios pecados, ao passo que aqueles religiosos procuravam fazer tudo o que era bom, apesar de todas as ciladas que os demónios podiam armar contra eles.

Meus caros irmãos, a primeira tentação com a qual o demónio tenta qualquer um que começou a servir melhor a Deus chama-se "respeito humano". Aquela pessoa acometida pelo respeito humano, não ousará mais a ser vista em todo lugar, passará a se esconder de todos aqueles com os quais ela andava misturada na busca de uma vida de prazeres. Se alguém lhe disser que ela está muito mudada, imediatamente ficará envergonhada! Aliás, o que as pessoas vão dizer dela, é a sua contínua preocupação. Chega a um ponto de perder a coragem de fazer qualquer boa acção diante dos olhos alheios. Se o demónio não consegue fazê-la retroceder na caminhada espiritual através do respeito humano, ele infundirá nela um extraordinário medo, dizendo-lhe que as suas confissões não servem para nada, que seu confessor não a entende, que seja lá o que ela fizer, será sempre em vão, que ela irá na mesma para a condenação eterna do ou que ao contrário ela obteria no final o mesmo resultado (a salvação), deixando tudo correr solto em vez de continuar a lutar, afinal as ocasiões de pecado já demonstraram ser demais para ela!

Por que será, meus irmãos, que quando alguém não dá a mínima importância à salvação de sua alma, ele parece não sofrer a menor tentação? Mas assim que ele resolve mudar de vida, em outras palavras, assim que ele deseja reformar a sua vida para que Deus venha morar nele, imediatamente todo o inferno cai encima dele?

Ouçamos o que nos diz Santo Agostinho a esse respeito:

 

"Do modo como o demónio se comporta em relação ao pecador: Ele actua como um carcereiro que possui muitos prisioneiros trancados na sua prisão, mas como não carrega ou não possui a chave que poderia libertá-los dali, ele tranquilamente pode sair sossegado, certo de que nenhum deles tem como fugir. Este é o modo como ele age com aqueles pecadores que nem sequer consideram a possibilidade de deixar o pecado para trás. Ele nem sequer se dá ao trabalho de tentá-los. Vê tais pessoas como perda de tempo, não apenas porque elas não pensam em deixá-lo, mas também porque ele não deseja multiplicar as suas cadeias. Por outro lado, seria inútil tentá-los. Ele permite que eles vivam em paz enquanto estiverem a viver no pecado mortal. Esconde do pecador, tanto quanto puder, a situação em que ele se encontra, até a morte, e quando decide pintar um quadro da vida daquele pecador, fá-lo de maneira tão aterrorizante, que o infeliz pecador súbito cai no desespero. Mas com qualquer um que se decidiu a mudar de vida, que se decidiu a entregar-se completamente a Deus, é toda uma outra história!"

 

Enquanto Santo Agostinho vivia no pecado e na maldade, não tinha porque se preocupar com as tentações. Acreditava que se encontrava em paz, como ele mesmo nos conta. Mas no momento que resolveu dar as costas ao demónio, teve que travar um combate contra ele a ponto de perder a sua respiração na luta. E isso durou cinco anos! Chorou as lágrimas mais amargas e fez as mais severas penitências: Chegou ao ponto de dizer: "Eu discutia com ele nas minhas cadeias! Um dia achava que tinha sido vitorioso, no dia seguinte lá estava eu de novo, prostrado no chão. Esta guerra cruel e obstinada durou cinco anos. No final, Deus concedeu-me a graça de vencer o combate contra o meu inimigo".

Podemos ver também, a luta que São Jerónimo teve que empreender, quando se decidiu a viver apenas para Deus e também ao planejar visitar a Terra Santa. Quando ainda estava em Roma, concebeu um desejo novo de trabalhar pela sua salvação. Ao sair de Roma, retirou-se para o deserto para se entregar a todos os exercícios que o amor por Deus o inspirasse a fazer. Então o demónio, prevendo como a sua conversão iria influenciar tantas outras pessoas, encheu-se de fúria e desespero. São Jerónimo não foi poupado da menor tentação. Eu não acredito que exista um santo que foi mais tentado do que ele. Isto foi o que ele escreveu a um de seus amigos:

 

"Meu caro amigo, eu quero confidenciar-lhe sobre minhas aflições e o estado ao qual o demónio procura reduzir-me. Quantas vezes nessa vasta solidão, na qual o calor do sol se faz insuportável, quantas vezes os prazeres de Roma parecem assaltar-me! A dor e a amargura, das quais a minha alma se encontra repleta, fazem-me derramar rios de lágrimas dia e noite sem parar. Procurei esconder-me nos lugares mais isolados para lutar contra as minhas tentações e chorar pelos meus pecados. O meu corpo está todo desfigurado e coberto com uma veste rude em trapos. Não tenho outra cama a não ser o chão nu e minha única comida é um cozido de raízes e água, mesmo quando estou doente. Apesar de todos esses rigores, o meu corpo ainda se recorda dos sórdidos prazeres dos quais Roma inteira está envenenada, o meu espírito ainda se encontra no meio daqueles companheiros de prazer e aventuras com os quais eu tão imensamente ofendi a Deus. Nesse deserto, ao qual eu mesmo me condenei para evitar o inferno, junto dessas rochas sombrias, onde eu não tenho outra companhia, a não ser escorpiões e os animais selvagens, o meu espírito ainda queima dentro do meu corpo morto, com um fogo de impurezas. O demónio ainda assim, ousa oferecer -me prazeres para que eu os prove. Contemplo -me tão humilhado por essas tentações e o único pensamento que me faz morrer de pavor é não saber a quais austeridades ainda devo submeter o meu corpo para uni-lo com Deus. Eis porque me atiro ao chão, aos pés do meu crucifixo, banhado em minhas próprias lágrimas, e quando eu não posso mais chorar, pego algumas pedras e bato no meu peito com elas, até que o sangue saia pela minha boca, implorando por misericórdia, até que Deus tenha piedade de mim.

Será que existe alguém, capaz de entender a miséria do meu estado, desejando tão ardentemente agradar a Deus e amar somente a Ele? Ainda assim, eu estou sempre pronto a ofendê-lo. Que dor isso representa para mim? Ajude-me, meu caro amigo, com o auxílio de suas orações, de forma que eu me torne mais forte para repelir o demónio, que jurou levar-me para a condenação eterna".

 

Meus caros amigos, são esses os combates a que são submetidos os grandes santos de Deus. Coitados de nós! Como somos dignos de pena por não sermos assaltados ferozmente pelo demónio! De acordo com todas as aparências, podemos dizer que somos amigos do Diabo: ele faz-nos viver numa falsa paz, embala-nos no sono, deixando-nos com a pretensão de que recitamos algumas boas orações, distribuímos algumas esmolas e que fizemos menos más acções do que os outros. De acordo com o nosso padrão, meus caros irmãos, se perguntarmos, por exemplo, àquele sustendador do cabaré ali, se o Demónio o tem tentado, ele simplesmente dirá que nada o incomoda absolutamente! Pergunte a esta jovem ali, esta filha da vaidade, quais são os combates que ela tem que travar contra o inimigo, e ela vai responder-lhe sorrindo que ela não tem nenhuma luta e que, aliás, nem sabe o que é ser tentada. Assim poderão ver, meus caros amigos, que a tentação mais terrível de todas, é exactamente não ser tentado. E vocês verão ainda mais! Verão o estado daqueles a quem o demónio está a preservar para o Inferno. Eu ousaria dizer ainda, que ele tem o máximo cuidado em não atormentar tais pessoas com a recordação das suas vidas no passado. Do contrário,os seus olhos poderiam abrir-se para os seus pecados!

O maior de todos os males não é ser tentado porque há então motivos para acreditar que o demónio está apenas à espera das nossas mortes para nos arrastar para o inferno. Nada poderia ser mais fácil de ser entendido. Apenas considere o cristão que está a tentar, ainda que seja de um modo pequeno, salvar a sua alma. Tudo à volta dele parece incliná-lo para o mal, dificilmente consegue levantar os olhos sem ser tentado, apesar de todas as orações e penitências! E mesmo assim, um pecador empedernido, que passou uns 20 anos a chafurdar na lama do pecado ainda tem a coragem de dizer que não é tentado! Este está num estado muito pior, meus caros amigos, muito pior! Isso é o que deveria fazê-lo tremer de pavor: não saber o que são as tentações, pois dizer que não é tentado, é o mesmo que dizer que o Demónio não existe ou que ele perdeu todo seu raio de acção sobre as almas cristãs.

São Gregório diz-nos: "Se você não sofre tentações é porque o demónio é seu amigo, o seu líder e o seu pastor. E ao permitir que passe a sua pobre vida na tranquilidade, no final dos seus dias, ele o arrastará com todos os outros para as profundezas do abismo".

Santo Agostinho ensina-nos que a maior tentação é não sofrer tentações e, que isso apenas significa que uma pessoa assim, é uma pessoa que foi rejeitada por Deus, abandonada por Deus, e deixada inteiramente à mercê de suas próprias paixões.

In Sermões de São João Maria Vianney, o Cura D’Ars

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