Nossa Senhora apareceu em La Salette, no dia 19 de setembro de 1846, por causa de “duas coisas” principais, que estavam a tornar pesado o braço do seu divino Filho. Ouçamos o que Ela tem a revelar, entre lágrimas, a Mélanie, a Maximin e, através deles, a toda a humanidade:
Se o meu povo não se quer submeter, sou forçada a deixar cair a mão do meu Filho. Ela é tão forte e pesada que não posso mais retê-la. Há quanto tempo sofro por vocês! Se quero que o meu Filho não os abandone, sou obrigada a suplicá-lo incessantemente. E vocês nem se importam com isso. Por mais que rezem, por mais que façam, jamais poderão recompensar a aflição que tenho sofrido por vocês. (1) Dei-lhes seis dias para trabalhar, e reservei-me o sétimo, e não me querem concedê-lo. É o que faz pesar tanto o braço de meu Filho. (2) Os carroceiros não sabem falar sem usar o Nome de meu Filho. São essas duas coisas que tornam tão pesado o braço de meu Filho. [1]
Nós, os orgulhosos e descrentes homens do século XXI, somos quase tentados a não acreditar que a santíssima Mãe de Deus tenha saído do Céu, da bem-aventurança eterna em que se encontra, contemplando a face de seu divino Filho, simplesmente para nos dizer: parem de pecar contra o segundo e o terceiro mandamentos! Ela tem mais uma mensagem a passar, sim, principalmente às autoridades civis e religiosas, mas a primeira coisa que ela pede, aos dois videntes de La Salette, é para as pessoas guardarem os domingos e não invocarem o Santo Nome de Deus em vão.
A nós parece pouco? Infelizes de nós, meus amigos, que não temos dimensão do que seja o pecado! Se eram infelizes os homens do século XIX, castigados que foram por desrespeitar esses dois mandamentos, muito mais infeliz é a nossa época, que já há muito tempo lançou fora as próprias tábuas dos Mandamentos; que já há muito tempo deixou de temer a Deus…
Nossa apostasia, no entanto, já era prevista pela Virgem de La Salette, noutra parte de sua mensagem. Esta, Nossa Senhora havia pedido expressamente a Mélanie que a guardasse em segredo, até 1858, e dizia o seguinte:
No ano de 1864, Lúcifer e um grande número de demónios serão libertados do inferno: eles abolirão a fé pouco a pouco e mesmo nas pessoas consagradas a Deus; eles vão cegá-las de tal maneira que, excepto por uma graça particular, essas pessoas serão tomadas pelo espírito desses anjos maus; muitas casas religiosas perderão inteiramente a fé e perderão muitas almas. Os maus livros abundarão sobre a terra, e os espíritos das trevas espalharão por toda parte um relaxamento universal em tudo aquilo que se refere ao serviço de Deus […]. A verdadeira fé estará extinta e a falsa luz iluminará o mundo. […] Os governantes civis terão todos o mesmo objetivo, que será abolir e fazer desaparecer todo princípio religioso, para dar lugar ao materialismo, ao ateísmo, ao espiritismo e a toda espécie de vícios. No ano de 1865, a abominação será vista nos lugares santos; nos conventos, as flores da Igreja apodrecerão e o demónio tornar-se-á como o rei dos corações. Que aqueles que estão à frente das comunidades religiosas tomem cuidado com as pessoas que devem acolher, porque o demónio usará de toda sua malícia para introduzir nas ordens religiosas pessoas entregues ao pecado, pois as desordens e o amor aos prazeres carnais serão espalhados por toda a terra. […] Todos pensarão apenas em se divertir; os maus vão se entregar a toda espécie de pecados; mas os filhos da Santa Igreja, os filhos da Fé, meus verdadeiros imitadores, crescerão no amor de Deus e nas virtudes que me são mais caras. […] Tremei, ó terra, e vós que fazeis profissão de servir a Jesus Cristo e que, por dentro, adorais a vós mesmos, tremei; pois Deus vai entregar-vos a seu inimigo, porque os lugares santos estão na corrupção; muitos conventos não são mais casas de Deus, mas pastagens de Asmodeu e dos seus. […] Os homens estarão cada vez mais pervertidos [2].
Além da disseminação dos pecados carnais — também mencionados por Nossa Senhora em Fátima —, percebam que a principal profecia que se percebe ao longo de toda a mensagem de La Salette é a perda da Fé: os demónios “abolirão a fé pouco a pouco”, “muitas casas religiosas perderão inteiramente a Fé”, “a verdadeira Fé estará extinta” etc.; ao mesmo tempo, e na contramão dessa tendência, “os filhos da Santa Igreja” são chamados pela Virgem Santíssima “os filhos da Fé”.
Disso se deduz que a Fé é importantíssima, e nunca se insistirá o bastante nesse ponto. Muitas vezes pode parecer exagero ficar repetindo, mas a ideia é que, de tanto ouvir essa mesma coisa, as pessoas finalmente se dêem conta da necessidade de crer — e crer não em qualquer coisa, mas sim em tudo o que crê e ensina a Santa Igreja Católica. Esse é o começo de tudo. De nada adiantaria, por exemplo, pregar sobre os deveres do cristão, sobre a importância de ir à Missa aos domingos ou fazer abstinência às sextas-feiras, de baptizar os próprios filhos e contribuir com o dízimo na paróquia, se as pessoas, de maneira generalizada, deixaram de ter fé em Jesus Cristo e no que ensina a Igreja que Ele mesmo fundou.
Se as pessoas continuam a levar suas vidas no pecado mortal, elas podem até pagar “o dízimo da hortelã, do endro e do cominho”, como faziam os fariseus, mas “os preceitos mais importantes da Lei” continuarão a ser negligenciados (cf. Mt 23, 23). Se as pessoas não acreditarem que precisam abandonar o pecado, procurar o sacramento da Confissão e se reconciliar com Deus, as nossas igrejas continuarão a ser lugar de sacrilégio e profanação, onde as pessoas comem e bebem a própria condenação (cf. 1Cor 11, 29). Pior do que isso: se não acreditarem no que diz o Catecismo, em vez de dar ouvidos às modas ou às ideologias do momento, elas nem sequer acharão que precisam de conversão.
E é por isso que Nossa Senhora chora em La Salette. A mensagem que a santíssima Mãe de Deus veio nos trazer do Céu não é um tipo de “conscientização social”, dessas que se faz numa propaganda banal de televisão; não é um recado “moralista”, de quem quer filhos “bem comportados” e seguindo à risca uma espécie de “manual de boas maneiras”. Não! Nossa Senhora apareceu em La Salette para chamar todos os seres humanos a um desafio radical, a uma mudança absoluta, que se chama conversão a Deus. Isso significa, em primeiro lugar, transformar completamente a nossa mentalidade, conformando-a à vontade divina, crendo naquilo que Deus revelou por meio de sua Igreja.
Por onde começar? A Virgem em La Salette só o que faz é repetir as palavras de Cristo ao jovem rico do Evangelho: “Se queres entrar na vida, observa os Mandamentos” (Mt 19, 17). Eis a nossa primeira vocação, eis o nosso primeiro desafio. Deus nos revelou que não devemos trabalhar ao domingo, nem invocar o Seu Santo Nome em vão. Se nos parece pouco, se nos parece nada, será que Deus está errado ou somos nós, ao contrário, que temos pouca fé?
Deus revelou-nos, e repetiu pela boca de Nossa Senhora, que precisamos rezar. Sem isso, não teremos forças para cumprir mandamento algum. As orações, “ah, meus filhos, é preciso fazê-las, à noite e pela manhã”, disse a Virgem aos videntes de La Salette. “Quando não puderem fazer melhor, rezem pelo menos um Pai Nosso e uma Ave Maria; e quando tiverem mais tempo e puderem fazer melhor, rezem-nos por mais tempo” [3].
E nós, o que faremos? Trataremos o apelo da Virgem com indiferença? Ou nos deixaremos finalmente sacudir pelas suas lágrimas, saindo de nossa frieza e insensibilidade aos Mandamentos?
Nossa Senhora de La Salette chora por causa dos nossos pecados; pior: chora por um século apóstata e sem fé, que até a noção de pecado já perdeu [4]. Se ela se revelou aos homens chorando, no entanto, é porque ainda há esperança, é porque Deus ainda busca a nossa conversão. Ouçamos a sua voz, despertemo-nos de nossa letargia e enxuguemos as lágrimas da Santíssima Virgem com uma vida de penitência e amor a Deus. Não pode haver nada que alegre mais o seu Sagrado Coração do que um pecador que se arrepende e volta para a casa do Pai (cf. Lc 15, 7).
In Christo Nihil Praeponere
Referências
A Aparição da Santíssima Virgem na Montanha de La Salette em 19 de setembro de 1846. In: Léon Bloy, Aquela que chora — e outros textos sobre Nossa Senhora da Salette (trad. de Roberto Mallet), Campinas: Ecclesiae, 2016, pp. 149-150.
Ibid., pp. 155-159.
Ibid., p. 161.
Cf. Papa Pio XII, Radiomensagem ao Congresso Eucarístico dos Estados Unidos, 26 de outubro de 1946.